Inventário PCI

O teatro em casa

Relato sobre a tradição do teatro em Insalde e as comédias do Minho.

Testemunhos orais sobre práticas de teatro popular.

Transcrição

O teatro em Insalde já tem muitos anos, muitos anos mesmo. Porque havia lá um senhor, que não era de Insalde, ele era de Santo Tirso e tocava numa banda de música, era músico. De maneira que encontrou uma vez, esse músico, encontrou lá uma senhora que nós conhecemos muito bem ainda, mas isto já foi há mais de 50 anos, há mais de 70. Então eles casaram. E depois esse senhor gostava muito de teatro e começou a ensinar teatro lá. Por volta dos anos 40, mais ou menos, dos anos 40. De maneira que depois fizeram várias apresentações.

- "E foram à França!"

- "Eu não sou de Insalde, natural não é? Eu fui para Insalde no ano de 1948. De maneira que depois o tal Ferreira - ele é Manuel Ferreira Júnior, era o nome dele - disse-me: «Você também pode entrar aqui connosco.». E eu: «Pronto.». E depois lá também fiz uma parte no teatro e lá fizemos várias apresentações noutros sítios, em vários sítios.

Numa ocasião era um problema muito grande, porque tínhamos de fazer os ensaios à luz de uma candeia, porque não havia luz de eletricidade, nem havia nada, nem se pensava sequer nisso. De maneira que era um problema para isso tudo, mas lá fazíamos ensaios e apresentávamos. 

Apresentação deles, dos teatros, como não havia salões - agora há salões paroquiais e há isto e há aquilo, naquela zona não havia nada disso - então o que é que fazíamos? Na casa dele tínhamos uma sala e uma cozinha e havia um frontado em madeira que a gente tirava aquilo para fazer o salão maior. 

Depois fazia-se um palco. Para fazer o palco para a apresentação, nós íamos aqui a uma casa mortuária e tínhamos muitos panos assim já velhos e usados e nós levávamos aqueles panos todos e (...) preparávamos o palco. Era assim. E quando era para fora fazíamos uns molhinhos daqueles farrapos, não é? Para montarmos o palco noutro lado qualquer. Andámos em muitos sítios.

Viemos a Bico, à freguesia de Bico numa ocasião e fomos a Taião perto de Valença, ali aos Arcos de Valdevez, ali em Pedrouço, e lá fazíamos os teatros.

Essas peças muitas vezes haveria também os tais, não sei se a senhora há um bocado falou, havia aqueles livrinhos que se compravam nas feiras em que tinham aquelas coisas todas. E muitas vezes há pessoas que faziam aquela peçazinha para apresentar lá.

- "Quais eram os personagens das peças que eram mais conhecidos? Que personagens, pai? Lembra-se? Nas peças haviam personagens que vocês faziam, que eram assim mais conhecidos, que eram aqueles que toda a gente... Lembras-te? (...)

Eu lembro-me daquela dos dois ladrões. Aquela da peça dos dois ladrões que entravam pelo tecto. Caiam pelo palco assim, redondos, de cima para baixo. Caiam. Isso já era uma coisa de grande evolução para as pessoas, não é? Que eram dois ladrões que entraram numa casa, não é?"

- "Bem, aquilo não era bem teatro, aquilo era mais comédia, não é? Era comédia, mas era o que o povo queria, era rir." [Risos]

- "E na minha geração também foi voltar à leitura. Porque muitas pessoas que fizeram o ensino primário nunca mais voltaram a ler. Mas depois que havia peças, eu lembro-me do Manuel do Xisto que me dizia que estava a guiar o trator e que estava a lavrar e estava a pensar sempre nas personagens que tinha que dizer, porque ele era também um tipo que tinha muito jeito para o teatro. Ele ia a lavrar e olhava para a terra e diz ele que se distraía porque estava a ensaiar a personagem dele do teatro a seguir."

- "O pai morreu debaixo de um trator."

- "Esse foi uma coisa dramática. Esse também já faleceu. Muitos desses jovens, alguns até já faleceram, por acaso.

Deixe-me só dizer uma coisa sobre o teatro. Porque depois, na geração do meu pai fizeram teatro em casa, não era pai? Mas não era só em casa, também fizeram noutros sítios, em cabanas. (...)"

- "Esse senhor, esse tal Ferreira Júnior, até era conhecido lá por Sobe-e-desce, porque ele mancava um bocado. [Risos] Chamavam-lhe Sobe-e-desce. Mas esse senhor, que preparava então, fazia tudo mas sabia, ele sabia ler. Ele chegou a ter um grupo em Insalde e outro em Padronero. A malta de Padronero ia lá acima também preparar o teatro dele."

- "Ele tinha dois grupos? Os de Padronero iam ensaiar em Insalde? Iam ensaiar lá na casa do senhor Ferreira? Lembro-me ainda, que ele fazia-me os calções quando eu era miúdo, tinha aí uns 5 anos ou 6." 

(...)

- "E que tipo de peças?"

- "Comédias. Que depois, na altura quando criámos a tal associação cultural e desportiva de Insalde, no final dos anos 70, 79 / 80, nós retomamos essas peças, essas comédias. Tivemos de as reescrever, porque o senhor José do Curro e o meu pai sabiam de cor. Então voltámos a escrevê-las. Eu era ponto, eu ensaiava, fazia essas coisas todas, não é? Então voltámos a fazê-las e eles fizeram parte. Também assistiam. Vinham assistir e lembro-me que, por exemplo, o senhor José do Curro dizia: «Um actor nunca pode virar a cara ao público.». Não nos podíamos virar de costas, ele proibia isso no palco. (...) E tinhas que ter um ar sempre mais ou menos sorridente. Aquilo (...) era assim.

- "Mas é assim, José do Curro. Até estava lá um Padre, o nosso Padre, o Padre que era aqui de (Tanca?) que era ali de Trás-os-montes, e então dizia: «Este homem não saberá mais nada, mas pelo menos sabe pôr a gente a rir.». Ele era muito engraçado."

(...)

- "O Zé do Curro. O Zé do Curro era cómico e gostava muito de teatro, muito, muito. E queria incutir na minha geração, na nossa geração, o teatro. Que foi dos colegas do meu, que eu estudei no ensino primário ali, depois também fui-me embora, mas também os meus colegas foram todos embora, todos emigraram. Incluindo para a França, para os Estado Unidos, para todo o lado."

- "Mas ele era muito engraçado (...). Ele não se cingia muito aos papéis. Ele metia outros buchas, que aquilo era... olhe, toda a gente ficava... gostavam muito de o ouvir!"

- "Improvisava, toda a gente improvisava. Um outro pormenor engraçado é que, por exemplo, o nosso primo, o Fernando, que tinha feito teatro em Insalde, emigrou para os Estados Unidos e levou essas peças para o Clube Português de New York e representaram lá também essas comédias. Portanto, elas viajaram também, viajaram com eles. Também as faziam. Pediam-me as peças: «Manda, que aqui o grupo de teatro em New York» onde ele ainda vive agora lá com a família dele e tudo, eles voltaram a fazer essas peças. É muito interessante, porque comédias do Minho de alguma forma reatou o teatro em contexto rural."

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
António dos Santos, Audécia de Carvalho, Júlio dos Santos

Contexto de produção

Contexto territorial

Insalde
Insalde
Paredes de Coura
Viana do castelo

Contexto temporal

2022

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão
Idioma

Equipa

Transcrição
Laura del Rio, Paulo Correia
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa, José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL