Inventário PCI
Histórias sobre avistamentos de irmandades, que previam a morte de alguém.
Memórias sobre crenças e práticas rituais fúnebres (procissão das almas; videntes; presságios de morte).
Transcrição
- "Nós tínhamos um engenho do azeite, onde se fabricava o azeite. E eu ia para lá, era puto, e depois estavam ali à noite, à beira do fogo, onde estava a fornalha para aquecer a água para o azeite e só se falava em irmandades, em bruxarias e o caralho. Mandavam-me tapar a poça ou abrir a poça para a água e tinha de se ir lá para um sítio feio, por ali fora. Um gajo ouvia uma coisa a estalar ou o que é, já estava [cheio de medo]. Depois só falavam daquilo, depois um gajo andava com aquilo na cabeça: irmandades e espíritos maus. Só falavam daquilo, depois um gajo andava ali cheio de medo.
Ora, uma irmandade era uma... como é que se chama? De noite, por exemplo, quando havia alguém que ia morrer..."
- "A irmandade ia buscar a alma ou o corpo das pessoas."
- "É, havia uma [procissão] precedente à morte. Era já anunciada por alguém que via a irmandade. Por exemplo, a irmandade era: quando vai um funeral, as bandeiras e o Padre e tudo, aquele conjunto, as capas, tudo, aquela capa. Depois, como era de noite, era a irmandade que ia buscar.
Passou-se até um caso em que havia uma pessoa aqui em Verdoejo que diz que via a irmandade: «E olha que, põe-te à tabela, que o teu pai ou o teu tio ou o teu avó, é capaz de [morrer]». Dava-lhes indicações que [alguém ia morrer]. Um dia esse mesmo que via tudo estava doente na cama e diz que viu a irmandade a entrar numa outra casa em frente, que era do mesmo, mas que não ia. Viu, ficou descansado. Mas por azar, não sei porquê, tiveram de mudar de casa e ele foi para a casa [em frente]. Afinal a irmandade era para ele."
[Risos]
- "E aconteceu?"
- "E aconteceu, infelizmente."
- "A irmandade, portanto, era aquela gente que ia, quando era um funeral, aquela gente com bandeiras que ia acompanhando. Então nós aqui chamávamos: «Olha, a irmandade já saiu.». E depois então ficava essa coisa, que também havia pessoas que viam essa irmandade que iria depois a esse funeral quando aquela pessoa morresse. Então aplicava-se o nome da irmandade, pronto, porque esse nome chamávamos nós às pessoas que iam a acompanhar, bandeiras e não sei quê, uma irmandade. Ia a acompanhar o funeral.
Havia aquela coisa de a gente acreditar que aquela pessoa que via. Naquele tempo quase que se acreditava, aquela pessoa. Quer dizer, aqueles elementos que ele dava... a gente não falava muito nisso, mas aqueles elementos que alguém dizia, quase depois era a realidade. E, portanto, eu acho que nesse tempo a gente quase acreditava mesmo nisso a sério, que viam. Não sei. Eu, graças a Deus, nunca vi nada. Fui sacristão 5 anos, andei por lá de noite no cemitério, na igreja, nunca vi nada."
- "Havia pessoas que relatavam sinais de casos que tinham passado: «Ó pá, passei num sítio e apertaram comigo. Outro deu-me uma bofetada, até caí para o lado». E eu não vi ninguém.
Um caso, por exemplo, o meu sogro contava essa história: Uma vez houve um acidente na casa do doutor Carlos. Lembras-te daquela mocinha que foi num acidente de carro? Matou uma moça. E o meu sogro uns dias antes vinha de regar de noite, não sei de onde, e ouviu uma choradeira, um pranto. E veio para casa, aquilo estava-lhe a trabalhar na cabeça. Depois associava. O meu sogro não era muito de ir nessas coisas, não era medroso. E ele contava essa [história]. Depois, no dia funeral - também foi, que era amigo da pessoa - notou que [o choro era igual].
Há coisas assim, que à priori não dá para entender. É só: ouvir, falar, contar e fiquemos por aqui."
- "Mas naquele tempo era assim, naquele tempo as pessoas acreditavam mesmo."