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CAPÍTULO VI.

SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A NÍVEL NACIONAL


170.  Com o objetivo de implementar efetivamente a Convenção, os Estados Parte devem esforçar- se, por todos os meios adequados, por reconhecer a importância e fortalecer o papel do património cultural imaterial enquanto impulsionador e garante do desenvolvimento sustentável, bem como integrar totalmente a salvaguarda do património cultural imaterial nos seus planos de desenvolvimento, políticas e programas, a todos os níveis.

Reconhecendo a interdependência entre a salvaguarda do património cultural imaterial e o desenvolvimento sustentável, os Estados Parte devem esforçar-se por, nos seus esforços de salvaguarda, manter um equilíbrio entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável (económico, social e ambiental), bem como a sua interdependência com a paz e a segurança; para alcançar este fim, devem facilitar a cooperação com peritos, agentes culturais e mediadores relevantes através de uma abordagem participativa. Os Estados Parte devem reconhecer a natureza dinâmica do património cultural imaterial em contextos urbanos e rurais e devem dirigir os seus esforços de salvaguarda exclusivamente para o património cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos, bem como com os requisitos de respeito mútuo entre as comunidades, os grupos e os indivíduos, e de desenvolvimento sustentável.

171.  Na medida em que os seus planos, políticas e programas de desenvolvimento envolvam património cultural imaterial ou possam eventualmente afetar a sua viabilidade, os Estados Parte devem:

(a)    assegurar a participação mais ampla possível das comunidades, dos grupos e, sendo o caso, dos indivíduos que criem, mantêm e transmitem esse património, e envolvê-los ativamente na elaboração e implementação desses planos, políticas e programas;

(b)    assegurar que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos em causa são os principais beneficiários, tanto em termos morais como materiais, de tais planos, políticas e programas;

(c)    assegurar que tais planos, políticas e programas respeitam considerações éticas e não afetam negativamente a viabilidade do património cultural imaterial em causa, nem descontextualizam ou afetam a natureza desse património;

(d)    facilitar a cooperação com peritos em desenvolvimento sustentável e agentes culturais para a adequada integração da salvaguarda do património cultural imaterial em planos, políticas e programas, dentro e fora do setor cultural.

172.  Os Estados Parte devem esforçar-se por conhecer plenamente os impactos potenciais e reais de todos os planos e programas de desenvolvimento sobre o património cultural imaterial, particularmente no contexto de processos de avaliação do impacto ambiental, social, económico e cultural.

173.  Os Estados Parte esforçar-se-ão por reconhecer, promover e reforçar a importância do património cultural imaterial como um recurso estratégico para possibilitar o desenvolvimento sustentável. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando a compreensão da diversidade das questões relativas à proteção de diversos direitos das comunidades, dos grupos e dos indivíduos, ligados à salvaguarda do património cultural imaterial;

(b)adotar medidas legais, técnicas, administrativas e financeiras adequadas, em particular através da aplicação de direitos de propriedade intelectual, direitos de privacidade e quaisquer outras formas adequadas de proteção jurídica, para garantir que os direitos das comunidades, os grupos e os indivíduos que criam, detêm e transmitem o seu património cultural imaterial são devidamente protegidos quando são realizadas ações de sensibilização sobre o seu património ou são desenvolvidas atividades comerciais.

174.  Os Estados Parte devem esforçar-se por assegurar que os seus planos e programas de salvaguarda incluem plenamente todos os setores e estratos da sociedade, incluindo os povos indígenas, migrantes, imigrantes e refugiados, pessoas de diferentes idades e géneros, pessoas com deficiência e membros de grupos vulneráveis, em conformidade com o Artigo 11.º da Convenção.

175.  Os Estados Parte são incentivados a promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos ou comunidades e por organizações não-governamentais, visando compreender o contributo do património cultural imaterial para o desenvolvimento sustentável e a sua importância como recurso para lidar com os problemas do desenvolvimento e visando demonstrar o seu valor mediante evidências claras, incluindo indicadores adequados, se possível.

176.    Os Estados Parte esforçar-se-ão por assegurar que as inscrições do património cultural imaterial nas Listas da Convenção previstas nos Artigos 16.º e 17.º da Convenção e a seleção das melhores práticas de salvaguarda previstas no Artigo 18.º da Convenção sejam utilizadas para promover os objetivos de salvaguarda da Convenção e o desenvolvimento sustentável, e não sejam usadas indevidamente em detrimento do património cultural imaterial e das comunidades, dos grupos ou dos indivíduos em causa, em particular para o ganho económico de curto prazo.

 

VI.1 Desenvolvimento social inclusivo


177.    Os Estados Parte são incentivados a reconhecer que o desenvolvimento social inclusivo compreende questões como a segurança alimentar sustentável, cuidados de saúde de qualidade, educação para todos de qualidade, igualdade de género e acesso a água potável e saneamento, e que esses objetivos devem ser sustentados por uma governança inclusiva e pela liberdade de as pessoas escolherem os seus próprios sistemas de valores.

 

VI. 1.1 Segurança alimentar


178.    Os Estados Parte devem esforçar-se por assegurar o reconhecimento, o respeito e o reforço dos conhecimentos e práticas agrícolas, pesca, caça, pastorícia e conhecimentos e práticas de recoleção, preparação e conservação de alimentos, incluindo os respetivos rituais e crenças, que contribuem para a segurança alimentar e nutrição adequada e que são reconhecidos por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte de seu património cultural imaterial. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)    promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos ou comunidades, visando compreender a diversidade desses conhecimentos e práticas, demonstrando a sua eficácia, identificando e promovendo os seus contributos para a manutenção da agrobiodiversidade, proporcionando segurança alimentar e reforçando a sua resiliência às alterações climáticas;

(b)    adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas, incluindo códigos ou outros instrumentos éticos, para promover e/ou regulamentar o acesso à agricultura, pesca, caça, pastorícia e conhecimentos e práticas de recoleção, preparação e conservação de alimentos, que são reconhecidos por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, bem como a partilha equitativa dos benefícios que geram e garantir a transmissão desses conhecimentos e práticas;

(c)    adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para reconhecer e respeitar os direitos consuetudinários das comunidades e dos grupos aos ecossistemas terrestres, marinhos e florestais necessários aos seus conhecimentos e práticas agrícolas, pesqueiras, pastorícias e de recolha de alimentos que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial.

 

VI. 1.2 Cuidados de saúde


179.    Os Estados Parte devem esforçar-se por assegurar o reconhecimento, o respeito e o reforço das práticas de saúde reconhecidas por comunidades, grupos e, em alguns casos, por indivíduos como parte do seu património cultural imaterial e que contribuem para o seu bem- estar, incluindo os seus conhecimentos, recursos genéticos, práticas, expressões, rituais e crenças relacionados, e aproveitar o seu potencial para contribuir para a obtenção de cuidados de saúde de qualidade para todos. Para esse fim, são incentivados a:

(a)    promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo aqueles realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando compreender a diversidade das práticas de saúde reconhecidas por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, demonstrando as suas funções e eficácia, e identificando os seus contributos para colmatar as necessidades de cuidados de saúde;

(b)    adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas, em consulta com os detentores de conhecimentos, curandeiros e praticantes, para promover o acesso ao conhecimento e às matérias-primas, a participação nas práticas de cura e a transmissão desses conhecimentos e práticas reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, respeitando as práticas consuetudinárias que regem o acesso a alguns dos seus aspetos específicos;

(c)    melhorar a colaboração e a complementaridade entre a diversidade de práticas e sistemas de cuidados de saúde.

 

VI.1.3 Educação de qualidade


180.    No âmbito dos seus respetivos sistemas e políticas educativos, os Estados Parte devem esforçar-se, por todos os meios adequados, por assegurar o reconhecimento, o respeito e o reforço do património cultural imaterial na sociedade, com destaque para o seu papel particular na transmissão de valores e competências para a vida e contribuindo para o desenvolvimento sustentável, em particular através de programas específicos de educação e formação no seio das comunidades e dos grupos em causa e através de meios não formais de transmissão de conhecimentos. Para esse efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)  adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para:

(i)         garantir que os sistemas educativos promovem o respeito pela própria pessoa, pela sua a comunidade ou grupo, o respeito mútuo pelos outros e que de nenhuma forma possam alienar as pessoas do seu património cultural imaterial, caracterizar as suas comunidades ou grupos como não participando da vida contemporânea ou denegrir a sua imagem;

(ii)       garantir que o património cultural imaterial está o mais plenamente possível integrado no conteúdo dos programas educativos de todas as disciplinas relevantes, tanto como contributo por direito próprio como para explicar ou demonstrar outros assuntos aos níveis curricular, intercurricular e extracurricular;

(iii)      reconhecer a importância, juntamente com métodos de salvaguarda inovadores, dos modos e métodos de transmissão do património cultural imaterial que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, por indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, e procurar aproveitar o seu potencial dentro dos sistemas educativos formais e não-formais;

(b)   aumentar a colaboração e a complementaridade entre a diversidade das práticas e dos sistemas educativos;

(c)   promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo aqueles realizados pelas próprias comunidades e grupos, visando compreender a diversidade de métodos pedagógicos que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, e avaliar a sua eficácia e adequação para integração noutros contextos educativos;

(d)   promover a educação para a conservação e utilização sustentável da biodiversidade e a proteção de espaços naturais e lugares de memória cuja existência é necessária para expressar o património cultural imaterial.

 

VI.1.4 Igualdade de género


181.    Os Estados Parte devem esforçar-se por promover as contribuições do património cultural imaterial e a sua salvaguarda para uma maior igualdade de género e para eliminar a discriminação baseada no género, reconhecendo que as comunidades e os grupos transmitem os seus valores, normas e expectativas relativas ao género através do património cultural imaterial constituindo este, portanto, um contexto privilegiado no qual as identidades de género dos membros do grupo e da comunidade são moldadas. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)    aproveitar o potencial do património cultural imaterial e da sua salvaguarda para criar espaços comuns de diálogo sobre a melhor forma de alcançar a igualdade de género, tendo em consideração as diversas perspetivas de todas as partes interessadas;

(b)    promover o importante papel que o património cultural imaterial e a sua salvaguarda podem desempenhar na construção do respeito mútuo entre comunidades e grupos cujos membros podem não partilhar as mesmas conceções de género;

(c)    ajudar as comunidades e os grupos a examinar as expressões do seu património cultural imaterial em relação ao seu impacto e potencial contributo para melhorar a igualdade de género e ter em consideração os resultados desta análise nas decisões de salvaguardar, praticar, transmitir e promover essas expressões a nível internacional;

(d)    promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando compreender a diversidade dos papéis de género em expressões específicas do património cultural imaterial;

(e)    garantir a igualdade de género no planeamento, gestão e implementação de medidas de salvaguarda, a todos os níveis e em todos os contextos, a fim de aproveitar ao máximo as diversas perspetivas de todos os membros da sociedade.

 

VI. 1.5 Acesso a água limpa e segura e utilização sustentável da água

182.    Os Estados Parte devem esforçar-se por assegurar a viabilidade dos sistemas de gestão da água que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial e que promovem o acesso equitativo à água potável e à utilização sustentável da água, principalmente na agricultura e noutras atividades de subsistência. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)   promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando a compreensão da diversidade dos sistemas de gestão da água reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial e identificando os seus contributos para atender às necessidades de desenvolvimento ambiental e relacionado com a água, bem como à forma de reforçar a sua resiliência face às alterações climáticas;

(b)      adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para identificar, reforçar e promover esses sistemas, a fim de responder às necessidades de água e aos desafios das alterações climáticas nos níveis local, nacional e internacional.

 

VI. 2 Desenvolvimento económico inclusivo


183.    Os Estados Parte são incentivados a reconhecer que a salvaguarda do património cultural imaterial contribui para o desenvolvimento económico inclusivo e reconhecer, neste contexto, que o desenvolvimento sustentável depende de um crescimento económico estável, equitativo e inclusivo com base em padrões sustentáveis de produção e consumo e que exige a redução de pobreza e das desigualdades, o emprego produtivo e digno, bem como a garantia de acesso a energia acessível, fiável, sustentável, renovável e moderna para todos, melhorando progressivamente a eficiência dos recursos no consumo e na produção.

184.    Os Estados Parte esforçar-se-ão por tirar pleno partido do património cultural imaterial como uma força poderosa para o desenvolvimento económico inclusivo e equitativo, abrangendo uma diversidade de atividades produtivas com valor monetário e não monetário e contribuindo, em particular, para o fortalecimento das economias locais. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a respeitar a natureza desse património e as circunstâncias específicas das comunidades, dos grupos ou dos indivíduos em causa, em particular a opção relativamente à gestão coletiva ou individual do seu património, disponibilizando as condições necessárias para a prática das suas expressões criativas e promovendo o comércio justo e relações económicas éticas.

 

VI.2.1   Gerar rendimentos e meios de subsistência sustentáveis


185.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer, promover e melhorar o contributo do património cultural imaterial para gerar rendimentos e de meios de subsistência sustentáveis para comunidades, grupos e indivíduos. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)    promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando identificar e avaliar as oportunidades que o património cultural imaterial oferece para gerar rendimentos e meios de subsistência sustentáveis para comunidades, grupos e indivíduos, dando especial atenção ao seu papel como complemento de outras formas de rendimento;

(b)    adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para:

(i)         promover oportunidades para que as comunidades, os grupos e os indivíduos possam gerar rendimentos e dispor de meios de subsistência sustentáveis para garantir a prática, transmissão e salvaguarda sustentáveis do seu património cultural imaterial;

(ii)       assegurar que as comunidades, os grupos e os indivíduos em causa sejam os principais beneficiários dos rendimentos gerados em resultado do seu próprio património cultural imaterial e que não sejam desapropriados desse património, em particular para a geração de rendimento para terceiros.

 

VI.2.2   Emprego produtivo e trabalho digno


186.    Os Estados Parte esforçar-se-ão por reconhecer, promover e fortalecer o contributo do património cultural imaterial para o emprego produtivo e o trabalho digno para as comunidades, os grupos e os indivíduos. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)   promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelos próprios grupos e comunidades, visando identificar e avaliar as oportunidades que o património cultural imaterial oferece para o emprego produtivo e o trabalho digno para as comunidades, os grupos e os indivíduos em causa, dando especial atenção à sua adaptabilidade às circunstâncias familiares e domésticas e relação com outras formas de emprego;

(b)    adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas, incluindo incentivos fiscais, para:

(i)         promover o emprego produtivo e o trabalho digno para as comunidades, os grupos e os indivíduos na prática e transmissão do seu património cultural imaterial, garantindo-lhes simultaneamente a proteção em termos de benefícios e segurança social;

(ii)       garantir que as comunidades, os grupos e os indivíduos em causa sejam os principais beneficiários das oportunidades de trabalho que envolvam o seu próprio património cultural imaterial e que dele não sejam desapropriados, em particular para criar emprego para outros.

 

VI.2.3   Impacto do turismo na salvaguarda do património cultural imaterial e vice-versa


187.    Os Estados Parte devem esforçar-se por assegurar que todas as atividades relacionadas com o turismo, realizadas pelos Estados ou por órgãos públicos ou privados, demonstrem o devido respeito pela salvaguarda do património cultural imaterial presente nos seus territórios e pelos direitos, aspirações e desejos das comunidades, os grupos e os indivíduos em causa. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)      avaliar, tanto em termos gerais como específicos, o potencial do património cultural imaterial para o turismo sustentável e o impacto do turismo sobre o património cultural imaterial e o desenvolvimento sustentável das comunidades, dos grupos e dos indivíduos em causa, dando especial atenção à antecipação do impacto potencial antes do início das atividades;

(b)  adotar medidas jurídicas, administrativas e financeiras adequadas para:

(i)         assegurar que as comunidades, os grupos e os indivíduos em causa sejam os principais beneficiários de qualquer turismo associado ao seu próprio património cultural imaterial, promovendo simultaneamente o seu papel principal na gestão desse turismo;

(ii)       assegurar que a viabilidade, as funções sociais e os significados culturais desse património não sejam de modo algum diminuídos ou ameaçados por esse turismo;

(iii)      orientar as intervenções de todos os envolvidos na indústria do turismo e o comportamento daqueles que nele participam como turistas.

 

VI.3  Sustentabilidade ambiental


188.    Os Estados Parte são incentivados a constatar o contributo da salvaguarda do património cultural imaterial para a sustentabilidade ambiental e a reconhecer que a sustentabilidade ambiental requer recursos naturais geridos de forma sustentável, bem como a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, o que, por sua vez, poderia beneficiar com melhores conhecimentos científicos e a partilha de conhecimentos sobre as alterações climáticas, os riscos naturais, os limites ambientais e dos recursos naturais, e que o reforço da resiliência das populações vulneráveis face às alterações climáticas e às catástrofes naturais é essencial.

 

VI.3.1   Conhecimento e práticas relacionados com a natureza e o universo


189.    Os Estados Parte esforçar-se-ão por garantir o reconhecimento, o respeito, a partilha e o reforço dos conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte de seu património cultural imaterial e que contribuem para a sustentabilidade ambiental, reconhecendo a sua capacidade de evoluir, aproveitando o seu potencial papel na proteção da biodiversidade e na gestão sustentável dos recursos naturais. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)       reconhecer as comunidades, os grupos e os indivíduos como detentores de conhecimentos sobre a natureza e o universo e como agentes essenciais para a sustentabilidade ambiental;

(b)   promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelas próprias comunidades e pelos grupos, com vista a compreender os sistemas de conservação da biodiversidade, a gestão dos recursos naturais e a utilização sustentável dos recursos, que são reconhecidos pelas comunidades, pelos grupos e, em alguns casos, pelos indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, e a demonstrar a sua eficácia, promovendo simultaneamente a cooperação internacional para a identificação e a partilha de boas práticas;

(c)       adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para:

(i)         promover o acesso e a transmissão de conhecimentos tradicionais sobre a natureza e o universo, respeitando as práticas consuetudinárias que regem o acesso a aspetos específicos desses conhecimentos;

(ii)       conservar e proteger os espaços naturais cuja existência é necessária para expressar o património cultural imaterial.

 

VI.3.2   Impactos ambientais na salvaguarda do património cultural imaterial


190.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer os impactos ambientais potenciais e reais das práticas do património cultural imaterial e das atividades de salvaguarda, dando especial atenção às possíveis consequências da sua intensificação. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)  promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelas/os próprias/os comunidades e grupos, visando a compreensão desses impactos;

(b)       adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras apropriadas para incentivar práticas protetoras do ambiente e mitigar quaisquer possíveis impactos nocivos.

 

VI.3.3   Resiliência das comunidades face às catástrofes naturais e às alterações climáticas


191.    Os Estados Parte devem esforçar-se por garantir o reconhecimento, o respeito e o reforço dos conhecimentos e práticas em matéria de geociências, em particular do clima, e aproveitar o seu potencial contributo para a redução do risco, a recuperação das catástrofes naturais, nomeadamente através do reforço da coesão social e da mitigação dos impactos das alterações climáticas. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)       reconhecer as comunidades, os grupos e os indivíduos como detentores de conhecimentos tradicionais sobre geociências, particularmente sobre o clima;

(b)       promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo aqueles realizados pelas/os próprias/os comunidades e grupos, visando compreender e demonstrar a eficácia do conhecimento sobre a redução do risco de catástrofes, recuperação de catástrofes, adaptação climática e mitigação de alterações climáticas, que é reconhecido por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, simultaneamente reforçando as capacidades das comunidades, dos grupos e dos indivíduos para enfrentar os desafios relacionados com as alterações climáticas aos quais o conhecimento existente pode não dar resposta;

(c)       adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para:

(i)         promover o acesso e a transmissão do conhecimento sobre a terra e o clima, que é reconhecido por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte do seu património cultural imaterial, respeitando as práticas consuetudinárias que regem o acesso a alguns dos seus aspetos específicos;

(ii)  integrar completamente as comunidades, os grupos e os indivíduos detentores desse conhecimento em sistemas e programas de redução do risco de catástrofes, recuperação de catástrofes e adaptação e mitigação das alterações climáticas.

 

VI.4  Património cultural imaterial e paz


192.    Os Estados Parte são encorajados a reconhecer o contributo da salvaguarda do património cultural imaterial para a promoção de sociedades pacíficas, justas e inclusivas baseadas no respeito pelos direitos humanos (incluindo o direito ao desenvolvimento) e livres de medo e violência. O desenvolvimento sustentável não pode ser concretizado sem paz e segurança; e a paz e a segurança estarão em risco sem desenvolvimento sustentável.

193.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer, promover e reforçar as práticas, representações e expressões do património cultural imaterial que têm a paz e a consolidação da paz no seu cerne, reúnem comunidades, grupos e indivíduos, e garantem a partilha, o diálogo e a compreensão entre eles. Os Estados Parte esforçar-se-ão ainda por compreender plenamente o contributo que as atividades de salvaguarda dão para a construção da paz.

 

VI.4.1   Coesão social e equidade


194.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer e promover o contributo da salvaguarda do património cultural imaterial para a coesão social, superando todas as formas de discriminação e fortalecendo o tecido social das comunidades e dos grupos de forma inclusiva. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a prestar especial atenção às práticas, expressões e conhecimentos que ajudam comunidades, grupos e indivíduos a transcender e a abordar as diferenças de género, cor, etnia, origem, classe e localidade e às que são amplamente inclusivas de todos os setores e estratos da sociedade, incluindo povos indígenas, migrantes, imigrantes e refugiados, pessoas de diferentes idades e géneros, pessoas com deficiência e membros de grupos marginalizados.

 

VI.4.2   Prevenção e resolução de litígios

195.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer, promover e melhorar o contributo que o património cultural imaterial pode dar para a prevenção de litígios e a resolução pacífica de conflitos. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)  promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelas/os próprias/os comunidades e grupos, com o objetivo de demonstrar que expressões, práticas e representações do património cultural imaterial contribuem para a prevenção de litígios e para a resolução pacífica de conflitos;

(b)  promover a adoção de medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras para:

(i)         apoiar tais expressões, práticas e representações;

(ii)       integrá-las em programas e políticas públicas;

(iii)      reduzir a sua vulnerabilidade durante e após os conflitos;

(iv)     considerá-las     como    complementos    de     outros    mecanismos    jurídicos    e administrativos de prevenção de litígios e resolução pacífica de conflitos.

 

VI.4.3   Restabelecimento da paz e da segurança


196.    Os Estados Parte devem esforçar-se por tirar pleno partido do papel potencial do património cultural imaterial para o restabelecimento da paz, a reconciliação entre as partes, o restabelecimento da segurança e a recuperação de comunidades, grupos e indivíduos. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)           promover estudos científicos e metodologias de pesquisa, incluindo os realizados pelas/os próprias/os comunidades e grupos, visando compreender de que forma o património cultural imaterial pode contribuir para a restauração da paz, a reconciliação das partes, o restabelecimento da segurança e a recuperação de comunidades, grupos e indivíduos;

(b)           promover medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras para integrar esse património cultural imaterial em programas e políticas públicas que visem o restabelecimento da paz, a reconciliação entre as partes, o restabelecimento da segurança e a recuperação de comunidades, grupos e indivíduos.

 

VI.4.4   Alcançar uma paz duradoura


197.    Os Estados Parte devem esforçar-se por reconhecer, promover e melhorar o contributo da salvaguarda do património cultural imaterial das comunidades, dos grupos e dos indivíduos para a construção de uma paz duradoura. Para o efeito, os Estados Parte são incentivados a:

(a)           garantir o respeito pelo património cultural imaterial dos povos indígenas, migrantes, imigrantes e refugiados, pessoas de diferentes idades e géneros, pessoas com deficiência e membros de grupos vulneráveis, nos seus esforços de salvaguarda;

(b)           aproveitar ao máximo o contributo da salvaguarda do património cultural imaterial para a governação democrática e os direitos humanos, assegurando a participação mais ampla possível de comunidades, grupos e indivíduos;

(c)           promover o potencial de consolidação da paz inerente aos esforços de salvaguarda que envolvem o diálogo intercultural e o respeito pela diversidade cultural.