|
"A minha mãe não sabia ler nem escrever. Nem o meu pai. O meu pai sabia, mas o meu pai era tocador de harmónio. Tocava o harmónio. E a minha mãe era uma cantadeira famosa. Cantadeira é uma pessoa que canta nos balhos. Nos balhos fazia-se, antigamente (…) porque sempre que se aparecia um acordeonista – um tocador de harmónio, aparecia, se não cantavam as pessoas. Não havia, como agora, uma orquestra. Nem ninguém pensava nisso. Nem orquestras, nem conjuntos. Ninguém sonhava em tal coisa! Antigamente, se havia o acordeonista, havia! Se não havia, eram as vozes das pessoas é que faziam o baile. Cantavam ao desafio cantigas de saias e outras. Cantigas mesmo. (…) E muitas vezes no Vale de Rodão eu dormia, era pequenino, dormia debaixo de uns bancos e a minha mãe ia cantar! Era uma cantadeira famosa. E o meu pai também. [A minha sogra dizia que levava noites, aos serões, quando ele vinha aos fins de semana a casa, porque ele estudava em Portalegre e ficava lá mais uma irmã que tem, a irmã foi aprender bordados, ela ganhou cá uma casa e eles ficavam lá os dois. E então ele vinha aos fins-de-semana a casa só para massacrar a mãe para estar ali a noite inteira: – vá mãe! Cante lá esta. E a mãe cantava. E a minha sogra contava: – e nem imagina! “Cante lá esta, a mãe lá cantava. Ah! Não é assim. Repita lá, repita lá! – Diz ela que levava ali noites, quando iam para a cama eram horas de se levantar que ele tinha que aproveitar o Sábado e o Domingo com a mãe a cantar, a cantar… Pronto, fugia com aquilo tudo escrito… Fazia as quadras, adaptava-as à maneira…]" |