António José Carrapiço foi músico na Banda Euterpe, desde 1933 até 2005; dos 10 aos 82 anos, sem qualquer período de interrupção, acrescido pelo facto de ter dedicado 12 desses anos à Direcção. Ele é, pois, a memória mais antiga da banda, um guardador de saberes e experiências que, naturalmente, fazem a história da instituição, à qual ele chama “a nossa velhinha”, para a qual viveu e à qual atribuiu o epíteto da “mais importante relíquia de Portalegre”(1). Conviveu com todos os maestros, desde Manuel Garção até ao actual e foi discípulo de todos eles. Participou em centenas de procissões das festas locais e da grande festa de Nossa Senhora dos Remédios, em Valência de Alcântara. Animou as ruas da cidade e esteve presente nas visitas de chefes do Estado e na chegada dos bispos(2) a Portalegre, acontecimentos onde nunca faltava a “velhinha”.
Foi o mestre Manuel Garção que o iniciou no solfejo e lhe entregou o primeiro flautim, logo a seguir substituído pelo clarinete que tocou até Outubro de 2005, momento em que, comovido, entregou a carta de despedida.
Como decano desta instituição, coube-lhe durante anos seguidos pronunciar o discurso de aniversário da mesma, onde, para além de homenagear a sua “velhinha”, fazia sistematicamente o elogio dos músicos, não se eximindo de os nomear e apontar as suas qualidades. Estes discursos são um justo contributo para a preservação da memória dos que deram vida à banda. E, embora possam pecar por omissão, é com satisfação que nomeamos os que, em situações quase extremas, lhe deram parte da sua vida. Lembremos, os que, depois de um dia a actuar com o Conjunto Musical, iam logo a seguir integrar a banda para prestar os serviços necessários; os que deixavam os seus trabalhos para responder à chamada; os que fechavam as portas da oficina para darem prioridade à banda, com prejuízo para as suas profissões; os que faziam caminhadas de quilómetros, para participarem nos ensaios. António Marques Rolo, por exemplo, tocou 58 anos e não há memória de qualquer ausência sua, tanto em ensaios como em serviços, apesar de ter de andar 14 quilómetros a pé.
António Carrapiço também não se eximia a exaltar a acção dos Directores com quem colaborava, nomeadamente José Luís Dias, João Cabecinha e António Portilheiro de quem usurpou a tão repetida frase «A Euterpe é a voz de Portalegre».
(1) Cf. Carta endereçada à Banda e intitulada “A minha despedida da Banda Euterpe”.
(2) Por exemplo, a chegada do Bispo Agostinho Moura a Portalegre, em 1953.