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nome: | Manuel Luís Afonso |
ano de nascimento: | 1920 |
local: | Sobral da Adiça |
freguesia: | Sobral da Adiça |
concelho: | Moura |
acervo: | António Ferreira Lopes |
transcrição: | |
Era uma vez Bocage e ali numa estr’mêra achou as patas d’uma perdiz, enrolou num lenço e meteu num’ alzibeira dum casacão grande qu’ ele trazia que l’ e tinhom dado. Ora via-s’ o vulto do lenço e as patas da perdiz, e el’ era muito amigo dos estudantes, vai encontra-se com um estudante, e diz o ’studante: –– Atão vamos lá a vêra, hoje de perdiz não? Bocage? Diz ele: –– Perdiz temos nós, o que falt’ é p’rá pinga. –– Toma lá quinhentos escudos. Atã’ e onde comemos isso? –– Lá na minha casa. –– ele dormia numa casa sóu, chã’ de terra e tudo. –– Atã e a que horas? –– Às oito horas. Foi e encontra-se com ôtro. Aquele foi-s’ embora e encontra-se com ôtro ’studante. Diz: –– Tão, hoje de perdiz? Bocage? –– Perdiz temos nós, o que falt’ é p’rá pinga. –– Cont’ é que queres? ––Ah, ôtros quenhentos ’scudos. Bom, dê-l’ ôtros quenhentos. –– Tã e a que horas? ––Às oit’ e meia. Ô ôtro tinha-lhe dito às oito, e aquele er’ às oit’ e meia. Encontra-se com ôtro: –– Tã Bocage hoje de perdiz?! –– Perdiz temos nós, o que falt’ é p’rá pinga. –– É o menos, cont’ é preciso? –– Quinhentos paus.1 Dê-l’e quinhentos paus. –– Atã e a que horas? –– Às nov’ horas. Combinava sempre meia hora mais tarde, e atão quando veio às oito horas, apresentô-se o premêro ’studante. Sentô-se numa cadêra logo, e ele metê’-se na cama, fazendo que tinha ’ma dor, Bocage. Na tarimba, uma tarimba que tinh’ ali a um canto. Vai e o que faz? Dali às oit’ e meia o ôtr’ ’studante. –– Bô nôte. –– Bô nôte. E nã disse nada. Ali ’steve, e Bocage dand’ impos na cama. Às nov’ horas, o ôtro. Juntarom-se lá os três ’studantes. –– Tã Bocage, o qu’ é que tem? –– diss’ o último. –– Bocage? Diz que tem ’ma dor de barriga muito grande. Bom, ali estiverom. E diz: –– É qu’ ele tinha-me dito p’ra vir a comermos uma perdiz aqui, às nov’ horas. Diz log’ o ôtro: –– Tã e a mim tamém me disse p’ra comermos a perdiz às oito horas?! E o ôtro disse: –– Tã e a mim, er’ às oit’ e meia!? Aquilo é tudo ... coisa dele!... Ele tem aí um presunto pendurado, e nós vamos- lh’ a levar o presunto. Or’ ôs ’studantes usom ’ma capa preta enrolad’ ô pescoço, mas ele tinha lá uma tamém que le tinha dad’ um ’studante há tempos, um amigo dele... Bom, o presunto pesava muito, e ele dand’ impos mas ouvindo tudo quant’ eles ’tavom dizendo. Naquilo: –– Atão ond’ é que vamos a comer o presunto? –– Lá na adega tal, em tal sítio. Bom, marcharom, e quando iom ô meio, ali numa ’quina,2 nesse tempo não havia luz eléctrica, deziom assim: –– Vá (...)lá qu’ ê lev’ agor’ ô presunt’ um pedaço. Logo, o ôtro: –– Vá lá qu’ ê lev’ um pedaço. Até que foi, e chigarom lá ô sítio. Chigarom lá ô sítio, o qu’ é qu’ havia ser: –– Vá lá p’ra cá o presunto. Vamos a comer o presunto. Diz: –– Tã ê di-to a ti. Diz log’ o ôtro: –– Tã ê di-to, tamém a ti! –– Homem, vocês nã sabem o que foi? Foi Bocage que se metê aqui com a gente, nat’ralmente, e levou o presunto p’ra casa. –– Pois, nã foi senã isso. Tã nenhum tem o presunto. Vai, e no ôtro di’ encontrom-se com Bocage: –– Tal é, ó Bocage?! Tal é a volta da perdiz?! E ele respondê-le, conform’ os i’ encontrando: –– Perdiz e presunto? Nã pode sê tud’ junto!
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1- Paus, era usado na época do escudo designando, precisamente, “escudos”, e só usado no plural. 2- Esquina. |