|
|
nome: | Inês Joaquina de Castro |
ano de nascimento: | 1916 |
local: | Santo Aleixo da Restauração |
freguesia: | Santo Aleixo da Restauração |
concelho: | Moura |
acervo: | António Ferreira Lopes |
transcrição: | |
Uma vez era um, um compadre pobre e outro rico. Mas o compadre pobre tinha muitos filhos e o outro nã’ tinha, e tinha muito para comer e beber. E o outro coitadinho, como tinha muitos filhos, não tinha senão miséria. E diz ele um dia assim p’á mulher: –– É mulher, os nossos filhos, sem terem nada que comere! Ê vou-m’ a dar uma volta aí ô mundo, vô-m’ a ver s’ acho alguma coisa. –– Ai, aonde vás tu homem se nã hai nada!? –– e nã sei quê… –– Nã, ê vou a corrê- la. (?) Foi a corrê mundo. Foi a corrê mundo e foi a ter à casa do vento. Foi a ter à casa do vento, chigou lá ’tava lá ’ma velhota, diz: –– Ai filho, váia-s’ embora que o meu filho é muito mau! É o vento, leva tudo por dianti! –– É o mesmo ê ’sper’ aqui por êli. Ê ’sper’ aqui por êli... ... Com que chigou, o vento vinha com ’ma zunida e aquela coisa toda ... e chigou e diz: –– Atão o que é que o senhor anda por ’qui fazendo? Diz: –– Ora, tenho muitas faltinhas, vim percorrê o mundo a ver se levava alguma coisa p’rós mês filhos... –– Bõum, atã entre lá. Entrou, prantarom-lhe a menza, comeu, prantarom-lh’ uma boa cama, e, no outro dia p’la manhã, derom-lh’ o caféi. E diz: –– Olhe, tome lá ’ma varinha de condão; você quando quêra comer diz assim: “estende-te vara!”. Com certeza qu’ hai ali de tudo p’ra você comer. Ele já vinha cá por ido adiante mas ’inda nã tinha fome: –– Conho, ê tenho que espementar a varinha de condão, atão ele disse-me... E foi e ’prementou. Ora, prantou-se-lh’ uma menza numa cova, qu’ êl’ ali havia de tudo: –– Ih!, os mês filhos, s’ eles vissem esta coisa toda!... –– Pronto lá a arrecolheu. Diz: –– Arrecôlhe-te varinha. Quando chigou diz assim: –– Ai, vê lá tu, mulher trago aqui ’ma coisa mais boa p’rós nossos filhos. –– Queim? Há-de ter que ver! Fome! É o que tu trazes! –– Não. Trag’ aqui ’ma coisa boa. Estende-te vara! Oh. Aquilo, os rapazes tudo balhando e tudo cantando de roda da menza, com munta coisa p’ra comerem. O compade vê-l’ a fazer vesita e viu aquilo tudo. Foi p’á mulher e disse-lhe: –– I mulhéri! Se tu visses o compadre! Tã o compadre já é mais rico qu’ á genti. (É por isso que a inveja não é boa! A inveja nã é boa. Tinha enveja que o pobrezinho comesse.) Diz: –– Ói... tinha uma menza com tanta coisa...p’rôs filhos, anda tudo balhando e tudo cantando... Ih! Ê achava tamém um coiso desses, ê tamém ia lá. –– Áh. Atão pergunta-le lá ó compadri, ver s’ele t’ encaminha, tu vás lá (…). Com que lá foi a perguntá-le. Diz: –– Sim compadri, eu encaminh’ ti, é lá na Casa do Vento, foi aond’ ê fui a parári. –– Atã olha, ê tamém quer’ lá ir, a ver se trago alguma coisa mais. Ainda na tinha avondo com o que tinha.1 Pronto. Pôs-se de déu em déu, déu em déu, déu em déu ’té que chigou lá. Chigou lá, a velha disse-l’ o mesmo: –– Ai quirido, váia-s’ embora, o mê filh’ é tã mau, o mê filho leva tudo por dianti, em vind’ com aquela soberba, ai é munto mau! –– É o mesm’ ê esper’ aqui por êli. Esperô por êl’ vinha fazend’ uma zunida: –– Chêra-m’ a carn’ humana, chêra-m’ a carn’ humana! E a velha disse-l’: –– Ai ’tá aqui um pobrezinho, que vei’ à tu’ pergunta filho, não, na le faças mal, na sejas mau. Mas ele já sabia, o vento, qu’ ele que na tinha faltas. Chigou diz: –– Atão o s’nhori qu’ anda por aqui fazend’ ? –– Ora vinh’a ver se levav’ alguma coisinha p’ra casa porqui, enfim, a gente tem falta e... –– ’Tá bem, ’tá bem. Mas ele sabia qu’ ele que na tinha falta nenhuma. (...) E nem le derom de jantári e nem la derom no ôtro di’ o caféi. E derom-lh’ uma varinha de condão tamém a ele. Diz: –– Tome lá esta varinha de condão, e cond’ você tenha fome dig’ ássim: «estende-te vara!» –– o mesm’ que diss’ o ôtro. Mas é que aquela varinha foi d’ ôtra manêra. Aquela varinha, chigou ali ’ma cova e diz: –– É mesm’ agora vou a esprementára. Foi a esprementar’ a varinha, a varinha estendê-si, mas foi dande-l’ porradas. Que le dê porradas sem consolo. Levou ’ma sova qu’ até mandou, manda ventarolas. Manêras qui, diz’ êl’: –– I Jasus, I estaria ê enganad’, ê nunca, ô na estendi ist’ beim: «Arrecô-lhe-ti, vara!» Chigou a casa, diz: –– Olhem, eu ó m’ engani, o atã temos que levar munta porrada. Vierom nas criadas. (Vê lá tinha criadas!) Vierom criadas, vêi’ a mulher vêi’ tudo... Diz: –– Estende-te vara! Houve tanta lambada que se fartarom! Luvarom tanta lenha que se fartarom! T’verom que quêmar a vara senão, matáv’-ós com estoiros! É por isso que a enveja na é boa.
|
|
1- “ter avondo” é uma expressão usada para significar: “ter bastante”, “bastar”. |