DECLARAÇÃO SOBRE A SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL PARA A AÇÃO CLIMÁTICA DO FÓRUM DAS ONGs DO PCI
Na sequência da Assembleia Geral Extraordinária realizada online no dia 28 de maio de 2024 e da subsequente votação online, nós, membros do Fórum das Organizações Não Governamentais do Património Cultural Imaterial (ICH NGO Forum), adotamos a seguinte Declaração sobre a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial para a Ação Climática, à luz do trabalho que tem sido realizado sobre o tema e em apoio às recentes iniciativas levadas a cabo por diferentes entidades da UNESCO, tais como a publicação sobre Indigenous knowledge for climate change assessment and adaptation (2018),1 a publicação do projeto-piloto realizado na África Oriental intitulado, Supporting research and documentation of traditional knowledge systems linked to biodiversity conservation, climate change and disaster risk reduction in East Africa (2021), 2 a Declaração final da Conferência Mundial sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável (MONDIACULT 2022),3 o relatório global sobre O impacto do deslocamento climático no direito à educação (2023),4 o Documento de estratégia sobre Ação Climática para o Património Mundial (2023),5 a decisão da última reunião do Comité Intergovernamental da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (PCI) de organizar uma reunião de especialistas dedicada a explorar os papéis do PCI no contexto das alterações climáticas (2023)6 e o recente Convite à apresentação de estudos de caso sobre a salvaguarda do Património Cultural Imaterial e as ações climáticas das regiões da Ásia-Pacífico (2024).7 A UNESCO identificou a cultura como "o derradeiro recurso renovável para combater as alterações climáticas".8 A Declaração pretende igualmente informar a UNFCCC (Agência das Nações Unidas para o Clima) sobre o papel vital do Património Cultural Imaterial (PCI) na ação climática, dado que a cultura, incluindo o «conhecimento comunitário e indígena», foi reconhecida na COP289 e que foi solicitado o estabelecimento de um plano de trabalho conjunto sobre cultura e ação climática na COP29, em Baku, Azerbaijão, em 2024. 10
Declaração original:
Decisão de aprovação desta declaração:
Versão em PDF: https://memoriamedia.net/bd_docs/declaracao-das-ONG-para-o-PCI-e-acao-climatica.pdf
Versão portuguesa: José Barbieri, Memoria Imaterial CRL
Contexto geral
Fundado em 2009, o Fórum das ONGs do PCI (ICHNGO Forum) reúne atualmente 264 ONGs de 73 países diferentes credenciadas pela UNESCO sob a Convenção da UNESCO de 2003 para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, trabalhando em todo o mundo e com uma miríade de diferentes competências no campo da salvaguarda do PCI. As atividades deste fórum são realizadas com a participação das comunidades e apoiando as comunidades, grupos e indivíduos na prática e transmissão do PCI. Os membros do Fórum vão desde organizações comunitárias até ONGs maiores que apoiam a implementação a nível nacional - e internacional - da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de 2003 e se envolvem no desenvolvimento de políticas. Como tal, o Fórum traz para a Convenção amplas e muito diversificadas experiências e conhecimentos de salvaguarda da sociedade civil, que o colocam numa posição privilegiada para prestar os serviços de aconselhamento ao Comité Intergovernamental, tal como estabelecido no artigo 9.º da Convenção. O Fórum das ONGs do PCI, com a sua rede diversificada e extensa, desempenha um papel cada vez mais crucial na implementação e promoção dos objetivos da Convenção.
Esta Declaração segue-se às medidas e ações empreendidas pelo Fórum das ONG do PCI ao longo dos últimos seis anos para salvaguardar o PCI em situações de crise e rápida alteração climática. Dois membros do Fórum das ONG do PCI foram convidados a participar numa reunião de peritos sobre a salvaguarda do PCI em situações de emergência incluindo conflitos e catástrofes causadas por riscos naturais e de origem humana («catástrofes naturais»), organizada pela Entidade do Património Vivo (Living Heritage Entity) na sede da UNESCO, em Paris, em 21 e 22 de maio de 2019. As recomendações desta reunião de peritos levaram à aprovação dos Princípios e Modalidades Operacionais para a Salvaguarda do PCI em Situações de Emergência pelo Comité Intergovernamental na sua décima quarta sessão em Bogotá, Colômbia, em dezembro de 2019 (Decisão 14.COM 13) e adotada pela Assembleia Geral na sua oitava sessão em setembro de 2020 (Resolução 8.GA 9). Estes princípios e modalidades fornecem um quadro para salvaguardar o PCI em situações de emergência, destacando como o Património Cultural Imaterial pode ser diretamente ameaçado e, portanto, deve ser salvaguardado, e como também pode ser alavancado e mobilizado de forma ativa para ajudar eficazmente as comunidades a prepararem-se, responderem e recuperarem de emergências. Enfatizam a importância da participação da comunidade e de uma abordagem holística, intersetorial e interdisciplinar. O Fórum das ONG do PCI também acompanhou com grande interesse os trabalhos sobre o tema empreendidos pela Entidade do Património Vivo, nomeadamente a iniciativa temática sobre o PCI e as alterações climáticas lançada em 2022 e o estudo documental para rever o quadro normativo e a literatura sobre o PCI e as alterações climáticas realizado em 2023. O documento de referência que se seguiu levou o Comité Intergovernamental a decidir organizar uma reunião de peritos "para contribuir com propostas para os Estados Partes e outras partes interessadas relevantes sobre a salvaguarda do Património Cultural Imaterial no contexto das alterações climáticas" (Decisão 18.COM.12, 2023). Para acompanhar e contribuir para os esforços da Entidade do Património Vivo e do Comité Intergovernamental, mais particularmente na perspetiva das ONGs e das comunidades, o Fórum das ONGs do PCI organizou um simpósio intitulado "Património Vivo, Alterações Climáticas e Ambiente" na Décima Sétima Sessão do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, realizada em Rabat (Marrocos) em 27 de novembro de 2022. Com base em vários estudos de caso, os autores dos dez artigos apresentados no simpósio e os 120 membros participantes discutiram as muitas maneiras pelas quais o PCI pode ser uma fonte de resiliência e recuperação na mitigação dos efeitos negativos das emergências em favor da reconstrução da coesão social, promovendo a reconciliação e facilitando a recuperação para comunidades confrontadas com impactos de curto e longo prazo das mudanças climáticas. O Fórum das ONGs do PCI também criou um fundo para ajudar as ONGs credenciadas em situações de emergência. Além disso, um Grupo de Trabalho sobre “PCI, Mudanças Climáticas e Meio Ambiente” foi criado em setembro de 2023 para prosseguir a pesquisa e divulgação do papel que o PCI pode desempenhar na abordagem dos perigos das mudanças climáticas, incluindo a elaboração da declaração atual.
Destacamos ainda o Encontro Internacional sobre Cultura, Património e Mudanças Climáticas de 2021 (ICSM CHC), copatrocinado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), UNESCO e ICOMOS, que abordou extensivamente as interseções do PCI com as causas e respostas das mudanças climáticas. A Agenda Global de Investigação e Ação11 produzida pelo Comité Científico Diretor da Reunião sintetiza conhecimentos e identifica as principais lacunas e itens de ação. Destaca a necessidade de reconhecer o papel do PCI na ação climática e de integrar o PCI nas políticas e programas climáticos. Também enfatiza a importância das iniciativas lideradas pela comunidade e a necessidade de desenvolver a capacidade das comunidades para salvaguardar o PCI face às alterações climáticas. Destacam-se também três Livros Brancos encomendados como "iniciadores de conversa" para a Reunião sobre "Património Cultural Imaterial, Sistemas de Conhecimento Diversos e Alterações Climáticas",12 "Impactos, Vulnerabilidade e Compreensão dos Riscos das Alterações Climáticas para a Cultura e o Património"13 e "O Papel do Património Cultural e Natural para a Ação Climática".14
Preâmbulo
Reconhecendo a nossa preocupação coletiva com as mais recentes conclusões do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas), que confirmam a necessidade de esforços ambiciosos e inclusivos sem precedentes nesta década para limitar o aquecimento global a 1,5 °C, a fim de atenuar os impactos climáticos mais catastróficos, incluindo perdas irreversíveis para a biodiversidade e graves danos para a cultura e o património;
Reconhecendo a ameaça profunda e crescente que representam as alterações climáticas e os perigos relacionados com o clima, incluindo o degelo das calotas polares, do permafrost e dos glaciares de montanha, a subida do nível do mar, a erosão costeira e as inundações, as alterações da sazonalidade, as avalanches, os ciclones, os deslizamentos de terras, as vagas de calor, os incêndios florestais e as secas, para o rico mosaico de práticas do Património Cultural Imaterial em todo o mundo e dos seus portadores;
Observando que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, COP28, realizada no Dubai, Emirados Árabes Unidos, deu passos importantes para desbloquear o potencial da cultura e do Património para apoiar a ações climáticas transformadoras, incluindo o estabelecimento no âmbito do novo Quadro dos Emirados Árabes Unidos para a Resiliência Climática Global15 adotado na COP28, de uma nova temática global para "proteger o Património Cultural dos impactos e riscos relacionados com o clima, desenvolvendo estratégias adaptativas para preservar as práticas culturais e os sítios patrimoniais e concebendo infraestruturas resilientes às alterações climáticas orientadas pelos conhecimentos tradicionais, pelos conhecimentos das populações indígenas e pelos sistemas de conhecimento locais”;
Observando também que a COP28 viu a primeira reunião ministerial multilateral de alto nível sobre Ação Climática Baseada na Cultura numa COP, que adotou por unanimidade a Declaração dos Emirados sobre Ação Climática Baseada na Cultura, bem como o lançamento do grupo de defesa do governo nacional conhecido como Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura na UNFCCC (GFCBCA) sob a liderança do Brasil e dos Emirados Árabes Unidos;
Preocupado com a inadequação da documentação e falta de compreensão prevalecentes e ainda com a falta de dados sobre os impactos das alterações climáticas no Património Cultural Imaterial (bem como as consequências desses impactos para as comunidades associadas), a necessidade urgente de estabelecer indicadores para os medir - em flagrante contraste com os impactos mais bem documentados no património material - sublinhando a necessidade urgente de investigação e documentação abrangentes para ajudar a desenvolver a capacidade adaptativa e a resiliência das comunidades detentoras e praticantes de PCI;
Afirmando a urgência de descolonizar o conhecimento científico ocidental, reconhecendo a existência de múltiplas e diversas ontologias de conhecimento, nomeadamente conhecimentos tradicionais sobre a natureza e o universo, que possam ser mobilizados para abordar a gestão, adaptação às alterações climáticas e os seus impactos no PCI;
Destacando a importância de identificar a integração dos conhecimentos tradicionais das comunidades na investigação sobre as alterações climáticas e no discurso científico, bem como no planeamento e na política de adaptação e mitigação das alterações climáticas, uma vez que estas comunidades possuem conhecimentos e práticas inestimáveis para a resiliência ambiental;
Afirmando que o Património Vivo tem um papel fundamental a desempenhar para ajudar as pessoas a imaginar e concretizar futuros, justos, resilientes e de baixo carbono face às alterações climáticas, destacando em particular a capacidade ímpar de formas de saber não-convencionais para comunicar, mobilizar ações e defender formas de produzir, consumir e viver mais sustentáveis e justas a fim de criar a mudança sistémica necessária para enfrentar a crise climática;
Identificando ações de salvaguarda do Património Vivo ameaçado pelas alterações climáticas adequadas às quatro dimensões do Ciclo de Adaptação Iterativa reconhecido pela UNFCCC (avaliação de impacto, vulnerabilidade e risco; planeamento; implementação; monitorização, avaliação e aprendizagem), bem como as três fases principais de um ciclo de gestão de emergência de preparação, resposta e recuperação, reconhecendo que cada fase pode variar em duração e pode sobrepor-se a outras fases;
Reconhecendo a profunda conexão entre as práticas rituais dos povos indígenas, os conceitos de biodivindade e outras relações espirituais profundamente enraizadas com a natureza. Enfatizando a importância de reconhecer e respeitar essas relações profundas entre humanos e não humanos, cultura e natureza, com igual importância e reconhecendo que essas cosmovisões, sistemas de conhecimento e interpretações endógenas dos povos indígenas e comunidades locais oferecem contrapontos a noções insustentáveis de desenvolvimento e progresso que estão entre as causas profundas das alterações climáticas antropogénicas (relacionadas com o homem);
Afirmando que indivíduos, grupos e comunidades deslocados pelas alterações climáticas são agentes ativos que podem mobilizar os seus elementos de Património Cultural Imaterial para se afirmarem, reinstalarem e integrarem nas comunidades de acolhimento;
Reafirmando o papel crucial da incorporação do Património Cultural Imaterial nas políticas de ação climática para salvaguardar os valores materiais e imateriais das populações vulneráveis;
Reconhecendo que nos sistemas de conhecimento tradicional de muitas comunidades o "clima" é considerado como um Património Vivo que deve ser salvaguardado, e o imperativo para uma resposta global, colaborativa e interdisciplinar impulsionada pelas alterações climáticas que transcende fronteiras e divisões provocadas pelo homem;
O Fórum das ONGs do PCI declara sua intenção de trabalhar de forma colaborativa e expedita com os Estados Partes e todas as entidades interessadas para cumprir as seguintes recomendações:
Recomendações
Recomendação 1: Promover e apoiar a investigação interdisciplinar e intersetorial para a salvaguarda do Património Cultural Imaterial no contexto das alterações climáticas
Apelamos aos Estados Partes e outras partes interessadas relevantes para que promovam e apoiem ativamente a investigação interdisciplinar e a documentação relativa aos efeitos das catástrofes provocadas pelas alterações climáticas no Património Cultural Imaterial. Este esforço deve, em particular, reconhecer e amplificar as contribuições feitas por ONGs, comunidades e grupos estreitamente envolvidos e/ou afetados por esta pesquisa, para que possam beneficiar diretamente dela. Reconhecendo o imperativo de promover a compreensão neste campo, tais esforços devem reunir conhecimentos tradicionais, ciências naturais, engenharia, humanidades e ciências sociais, em conformidade com a abordagem do "melhor conhecimento disponível" (ver glossário), respeitando os princípios éticos da Convenção.
Recomendação 2: Integrar os conhecimentos tradicionais das comunidades com os conhecimentos científicos
Defendemos o apoio dos Estados Partes e das partes interessadas relevantes num envolvimento ativo com o conhecimento ecológico tradicional, incluindo o conhecimento dos Povos Indígenas e das comunidades locais, e a incorporação desse conhecimento na investigação sobre alterações climáticas e no discurso científico, identificando como podem ser relevantes, inclusivos e equitativos durante o processo de tomada de decisão para estratégias de resiliência ambiental (ver glossário abaixo). Recomenda-se a necessidade de reconhecer a importância de descolonizar o conhecimento científico e reconhecer a existência de múltiplas ontologias relacionadas com o clima, as alterações climáticas e a adaptação às mesmas. Por conseguinte, é essencial prestar assistência financeira e técnica a ONGs, comunidades e grupos, para que possam ser agentes ativos da agenda e dos resultados da investigação, num espírito de parceria global, inclusão e solidariedade com as comunidades, que estão frequentemente na linha da frente dos impactos das alterações climáticas.
Recomendação 3: Reforçar o papel do Património Cultural Imaterial
Além disso, chamamos a atenção dos Estados Partes e das partes interessadas relevantes para a necessidade de promover e reforçar o papel do Património Cultural Imaterial como ferramenta para reforçar a resiliência das comunidades vítimas das alterações climáticas, como alavanca para a biodiversidade e mitigação dos efeitos das alterações climáticas e para alcançar justiça climática para estas vítimas (ver glossário).
Recomendação 4: Considerar o papel da biodivindade e outras relações espirituais profundamente enraizadas com a natureza e as relações entre humanos e não humanos
Estamos confiantes de que os Estados Partes e as partes interessadas relevantes beneficiarão se incentivarem, reconhecerem e respeitarem o papel da biodivindade e das práticas bioculturais no seio dos Povos Indígenas, reconhecendo seu valor intrínseco na preservação do meio ambiente (ver glossário). É necessário reconhecer como humanos e não humanos estão unidos. Os elementos do PCI estão inextricavelmente ligados à natureza e devem ser considerados como se fossem um só. Portanto, tanto as políticas ambientais quanto as culturais devem reconhecer o papel crítico desempenhado pelos povos indígenas e defensores dos direitos culturais na proteção, desenvolvimento e promoção do uso destes direitos e iniciativas culturais no combate às alterações climáticas.16
Recomendação 5: Reconhecer e apoiar a participação inclusiva das vítimas
Encorajamos fortemente os Estados Partes e as partes interessadas relevantes a reconhecerem e apoiarem a participação ativa das vítimas das mudanças climáticas e desastres relacionados ao clima, permitindo-lhes utilizar seus conhecimentos indígenas e conhecimentos locais para auto capacitação, reassentamento e integração.
Recomendação 6: Integrar os valores culturais nas políticas
Defendemos os benefícios da incorporação pelos Estados Partes do Património Cultural Imaterial na política nacional relativa às alterações climáticas, a fim de salvaguardar os valores materiais e imateriais das populações vulneráveis e uma inclusão mais sistémica das organizações da sociedade civil na elaboração e promulgação de políticas culturais em planos nacionais de adaptação e ação.
Congratulamo-nos com o lançamento, na COP28, do Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura na UNFCCC (GFCBCA)17 sob a liderança dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Brasil, e encorajamos todos os Estados Partes a juntarem-se ao Grupo de Amigos antes da COP29 em Baku, em novembro de 2024.
Aplaudimos a inclusão de uma meta temática sobre a proteção de sítios patrimoniais e práticas culturais no novo Quadro dos EAU para a Resiliência Climática Global (UAE FGRC), bem como a sua ênfase de que as ações de adaptação devem ser guiadas pelo conhecimento tradicional, conhecimento dos povos indígenas, adaptação baseada no ecossistema, soluções baseadas na natureza, adaptação liderada localmente e baseada na comunidade, redução do risco de desastres e abordagens intersetoriais. Encorajamos todos os Estados Partes a envolverem-se na elaboração da temática do património cultural no FGRC dos EAU, incluindo, em particular, através do programa de trabalho sobre indicadores da UNFCCC EAU-Belém. Encorajamos os membros das ONG do PCI a juntarem-se à Heritage Adapts to Climate Alliance (HACA)18, lançada pela Climate Heritage Network/Preserving Legacies para defender o património cultural no FGRC dos EAU, incluindo a elaboração da meta temática 9(g) do património cultural.
Recomendação 7: Reconhecer a diversidade ontológica e biocultural
Chamamos a atenção dos Estados Partes e das partes interessadas relevantes para os benefícios de reconhecer a imensa diversidade ontológica do mundo e aconselhamos o reconhecimento dessa diversidade e da diversidade biocultural em geral, como um elemento central dos esforços globais para a ação climática. Os valores culturais e sociais moldados pelas paisagens terrestres e marítimas estão estreitamente interligados com os seus valores naturais (e práticas bioculturais associadas). As abordagens integradas da cultura e da natureza podem melhorar tanto a adaptação às alterações climáticas como os resultados da conservação, apoiando simultaneamente o bem-estar das comunidades associadas. Encorajamos os Estados Partes a associarem o seu trabalho na Convenção de 2003 com o seu trabalho na Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade (CDB) Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework (GBF) e seu "Programa Conjunto de Trabalho sobre as ligações entre diversidade biológica e cultural", e o "Programa de trabalho da CDB sobre o Artigo 8(j) e outras disposições da CDB relacionadas com os povos indígenas e comunidades locais."
Recomendação 8: Incluir as alterações climáticas na lista dos elementos do PCI e nos relatórios periódicos
Convidamos os Estados Partes e as partes interessadas relevantes a considerarem a menção específica das ameaças e/ou possíveis impactos das alterações climáticas ao elemento proposto para inscrição na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, na Lista do Património Cultural Imaterial que Necessita de Salvaguarda Urgente e no Registo de Boas Práticas de Salvaguarda e, caso o façam, incluir medidas no plano de salvaguarda para lidar com essas ameaças/impactos, bem como monitorizá-las nos relatórios periódicos. Esta prática ativa constituiria um repositório de exemplos concretos e de instrumentos para lidar com os impactos das alterações climáticas no PCI.
Recomendação 9: Incentivar a inscrição dos conhecimentos, práticas e crenças tradicionais afetados pelas alterações climáticas na Lista do Património Cultural Imaterial que necessita de salvaguarda urgente
Instamos os Estados Partes a considerarem a priorização de inscrições de conhecimentos, práticas e crenças tradicionais afetados pelas mudanças climáticas na Lista do Património Cultural Imaterial que Necessita de Salvaguarda Urgente como meio de preservá-los e chamar a atenção para a urgência de manter a estabilidade climática e de uma ação climática robusta.
Recomendação 10: Realizar um inquérito a nível mundial para cartografar a diversidade de situações e desenvolver indicadores para avaliar melhor o papel do PCI no contexto das alterações climáticas
Devido à grande diversidade das alterações climáticas e aos diversos impactos e reações a elas em todo o mundo, recomendamos que a Entidade do Património Vivo se comprometa, em colaboração com o Fórum das ONGs do PCI, a realizar um inquérito para mapear estas diversas situações e desenvolver indicadores que permitam avaliar o estado do PCI entre as comunidades, a sua eficiência na mitigação dos seus impactos e a sua capacidade de adaptação às alterações climáticas. Este projeto poderá constituir uma oportunidade para desenvolver métodos inovadores de avaliação da vulnerabilidade social e cultural, muito necessários para medir e integrar o valor do Património Cultural Imaterial nas avaliações do risco das alterações climáticas. Poderia igualmente conduzir ao desenvolvimento de quadros de adaptação às alterações climáticas para reforçar a capacidade de adaptação e a resiliência das comunidades.
Recomendação 11: Aplicação e acompanhamento
Encorajamos os Estados Partes e todas as partes interessadas relevantes a desenvolverem, à luz do artigo 11º da Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, vários mecanismos de salvaguarda do Património Cultural Imaterial no atual contexto das alterações climáticas e dos riscos climáticos. Esses mecanismos incluem a manutenção de inventários nacionais, documentação e arquivamento do Património, sensibilização e educação do público, capacitação, realização de avaliações de risco, implementação de sistemas de alerta precoce, criação de planos de resposta a emergências, envolvimento das comunidades, colaboração com o Conhecimento Indígena, alocação de recursos, monitoramento e relatórios sobre a situação patrimonial, estabelecimento de marcos legais e fomento da cooperação internacional. Estas medidas proporcionam coletivamente uma abordagem abrangente para salvaguardar o Património Cultural Imaterial durante catástrofes relacionadas com o clima e ferramentas para o desenvolvimento de capacidades das comunidades detentoras de PCI.
Adoção
Nós, os membros do Fórum das ONGs do PCI (ICH NGO FORUM), declaramos a urgência e a importância de salvaguardar o Património Cultural Imaterial no contexto das alterações climáticas e das catástrofes relacionadas com o clima.
Nós, os membros do Fórum de ONGs do PCI, também declaramos a nossa intenção de colaborar ativamente com os Estados Partes, organizações intergovernamentais e não governamentais, autoridades nacionais e locais e todas as instituições e especialistas em posição de contribuir através de legislação, políticas e processos de planeamento e gestão para melhor salvaguardar o Património Cultural Imaterial no contexto de desastres ambientais e mudanças climáticas.
O Fórum de ONGs do PCI adota esta Declaração após uma Assembleia Geral Extraordinária realizada em 28 de maio de 2024 e uma votação online subsequente realizada entre 3 e 5 de junho de 2024. A declaração foi adotada em inglês e francês. Todas as ONGs são incentivadas a traduzi-lo o mais rapidamente possível para as suas línguas oficiais nacionais.
Glossário
"Alterações climáticas"19 tal como definidas pelo Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), refere-se a uma alteração a longo prazo do estado do clima. Esta mudança pode ser identificada através da análise estatística, observando mudanças na média e variabilidade de várias propriedades climáticas. Pode persistir por décadas ou até mais e pode resultar de processos naturais ou fatores externos, como variações solares, erupções vulcânicas e alterações induzidas pelo homem na atmosfera ou no uso da terra. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) acrescenta que as alterações climáticas podem ser direta ou indiretamente atribuídas a atividades humanas que modificam a composição atmosférica global e vão além da variabilidade natural do clima observada em períodos de tempo semelhantes. Esta definição distingue entre as alterações climáticas causadas pelas ações humanas e a variabilidade natural do clima.
De acordo com a definição da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de 2003, "Património Cultural Imaterial" ou "património vivo", para efeitos da presente Declaração, refere-se às "práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências - bem como aos instrumentos, objetos, artefactos, espaços culturais e naturais a eles associados - que as comunidades, grupos e indivíduos reconhecem como parte fundamental da sua identidade. Este Património Cultural Imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado por comunidades e grupos em resposta ao seu ambiente, à sua interação com a natureza e com a história, proporcionando-lhes um sentido de identidade e continuidade, promovendo assim o respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Para efeitos da presente Convenção, apenas será tido em consideração que o Património Cultural Imaterial é compatível com os instrumentos internacionais existentes em matéria de direitos humanos, bem como com as exigências do respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, bem como do desenvolvimento sustentável."
"Biodiversidade", abreviação de diversidade biológica, é a variedade de todos os seres vivos e suas interações. A biodiversidade muda ao longo do tempo à medida que ocorre a extinção e novas espécies evoluem. Os cientistas falam frequentemente de três níveis de diversidade: diversidade de espécies, genética e diversidade de ecossistemas.
A "diversidade biocultural" mantém a ligação inseparável entre diversidade cultural e diversidade biológica, baseada principalmente em mapas mundiais que representam a sobreposição geográfica entre zonas de elevada biodiversidade e zonas de grande diversidade linguística.
"Conhecimento Local e Indígena", conforme definido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), refere-se ao corpo cumulativo de conhecimentos, práticas, inovações e perceções culturais mantidos e transmitidos pelas comunidades locais e indígenas ao longo de gerações. Este conhecimento está profundamente enraizado nos seus modos de vida tradicionais e está intimamente ligado aos seus ambientes, ecossistemas e património cultural. Para evitar fazer uma distinção entre conhecimento "local" e "indígena" (muitas comunidades indígenas não consideram seu conhecimento como local), evitamos confundir os dois e usamo-los como dois termos separados - conhecimento local e conhecimento indígena - como sugerido pelo IPPC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
O "conhecimento ecológico tradicional" (Traditional ecological knowledge - TEK) descreve os conhecimentos indígenas e outros conhecimentos tradicionais relativos aos recursos locais. TEK refere-se a "um corpo cumulativo de conhecimento, crença e prática, evoluindo por acumulação e transmitido geracionalmente através de canções, histórias e crenças tradicionais. Preocupa-se com a relação dos seres vivos (incluindo os humanos) com os seus grupos tradicionais e com o seu ambiente." O conhecimento indígena não é um conceito universal em várias sociedades, mas refere-se a um sistema de conhecimentos, tradições ou práticas que são fortemente dependentes do "lugar". Esses conhecimentos são utilizados na gestão dos recursos naturais como substitutos dos dados ambientais de base, nos casos em que existem poucos dados científicos registados ou podem complementar métodos científicos não-convencionais, na sua maioria ocidentais, de gestão ecológica.
"Melhores conhecimentos disponíveis" significa que as ações propostas devem basear-se e orientar-se pelos melhores conhecimentos disciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares disponíveis, desenvolvidos por investigadores, profissionais, povos indígenas e comunidades locais, trabalhando em conjunto para abordar as alterações climáticas como um problema persistente.
A "justiça climática" conecta a crise climática às questões sociais, raciais e ambientais nas quais está profundamente enredada. Ele reconhece os impactos desproporcionais das mudanças climáticas sobre as comunidades de baixa renda e BIPOC em todo o mundo, sendo essas pessoas e lugares as menos responsáveis pelo problema.
"Bio-divindade" refere-se a uma herança cultural, incorporada em tradições centenárias de comunidades indígenas, que conecta os seus estilos de vida e espiritualidade com a natureza. Essa convivência com a natureza manifesta-se na arquitetura, comida, vestuário, fé, rituais e festivais, através do conhecimento indígena e da sabedoria espiritual da biodivindade. O conceito de biodivindade baseia-se nos fundamentos teóricos da Ecologia Espiritual e da Ecologia Cultural que ganharam força no discurso académico desde meados da década de 1990. Essas teorias ligam o património religioso, as práticas culturais e a conservação do meio ambiente, estabelecendo a relação integral entre "sacralidade" ou "divindade" e a "conservação da biodiversidade". A biodivindade é, portanto, uma personificação de todos os valores culturais, rituais e práticas, bem como os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas que protegem do mundo os locais ricos em biodiversidade. O conceito faz parte integrante do domínio “Conhecimento da natureza e do universo” da Convenção PCI de 2003. Este conceito está ligado à ideia de "valores imateriais" que, embora não incorporados e incorpóreos, acrescentam uma perspetiva transcendental à existência humana, muito valorizada nas culturas indígenas e culturas que interagem estreitamente com a natureza e os fenómenos naturais. Representa um dos muitos modos pelos quais humanos e não humanos (objetos, animais, plantas, ancestrais, forças, elementos, etc.) demonstram sua conexão.
1 https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265504 (consultado em 28 de maio de 2024)
2 https://www.unesco.org/en/articles/unesco-publishes-east-african-case-studies-living-heritage-and-climate-change#:~:text=UNESCO%20has%20prepared%20a%20publication,and%20disaster%20risk%20reduction%20in (Consultado 28 Maio 2024)
3 https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fPCIiers/2022/10/6.MONDIACULT_EN_DRAFT%20FINAL%20DECLARATION_FINAL_1.pdf (consultado em 28 de maio de 2024)
4 https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000387895 (consultado em 28 de maio de 2024)
5 https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000387895 (consultado em 28 de maio de 2024)
6 https://ich.unesco.org/en/Decisions/18.COM/12 (consultado em 28 de maio de 2024)
7 https://www.irci.jp/news/0219-1/ (Consultado em 28 de maio de 2024)
8 https://www.unesco.org/en/climate-change/culture (Consultado em 28 de maio de 2024)
9 Declaração da COP28 sobre Clima, Socorro, Recuperação e Paz adotada na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (2023): https://www.cop28.com/en/cop28-declaration-on-climate-relief-recovery-and-peace (Consultado em 28 de maio de 2024)
10 https://heritagetribune.eu/europe/cop28-takes-a-step-in-right-direction-to-recognise-the-role-of-culture-and-heritage-in-climate-action/ (Consultado em 28 de maio de 2024)
11 Morel, Hana, Megarry, William, Potts, Andrew, Hosagrahar, Jyoti, Roberts, Debra, Arikan, Yunus, Brondizio, Eduardo, Cassar, May, Flato, Greg, Forgesson, Sarah, Masson-Delmotte, Valérie, Jigyasu, Rohit, Oumarou Ibrahim, Hindou, Pörtner, Hans-Otto, Sengupta, Sandeep, Sherpa, Pasang Dolma e Veillon, RPCIard (2022), Global research and action agenda on culture, heritage and climate change: scientific outcome of the International Co-Sponsored Meeting on Culture, Património e Alterações Climáticas. Relatório do Projeto. ICOMOS & ISCM CHC, Charenton-le-Pont, França & Paris, França, 69 p. ISBN 978-2-918086-69-7 (PDF) - 978-2-918086-70-3 (impressão). [Livro] https://openarchive.icomos.org/id/eprint/2716/ . (Consultado em 28 de maio de 2024)
12 Orlove, Ben, Dawson, Neil, Sherpa, Pasang, Adelekan, Ibidun, Alangui, Wilfredo, Carmona, Rosario, Coen, Deborah, Nelson, Melissa, Reyes-García, Victoria, Rubis, Jennifer, Sanago, Gideon e Wilson, Andrew (2022), ICSM CHC White Paper I: Intangible cultural heritage, diverse knowledge systems and climate change. Contribuição do Grupo I de Sistemas de Conhecimento para o Encontro Internacional Copatrocinado sobre Cultura, Património e Alterações Climáticas. Documento de Reflexão. ICOMOS & ISCM CHC, Charenton-le-Pont, França & Paris, França, 103p. ISBN 978-2-918086-71-0. [Livro] https://openarchive.icomos.org/id/eprint/2717/ . (Consultado em 28 de maio de 2024)
13 Ver nota 5 supra.
14 Shepherd, Nick, Cohen, Joshua Benjamin, Carmen, William, Chundu, Moses, Ernsten, Christian, Guevara, Oscar, Haas, Franziska, Hussain, Shumon T., Riede, Felix, Siders, A. R., Singh, Chandni, Sithole, Pindai e Troi, Alexandra (2022), Livro Branco do ICSM CHC III: O papel do património cultural e natural para a ação climática: Contribuição do Grupo de Impactos III para o Encontro Internacional Copatrocinado sobre Cultura, Património e Alterações Climáticas. Documento de Reflexão. ICOMOS & ISCM CHC, Charenton-le-Pont, França & Paris, França, 91p. ISBN 978-2-918086-73-4. [Livro] https://openarchive.icomos.org/id/eprint/2719/ . (Consultado em 28 de maio de 2024)
15 https://unfccc.int/sites/default/files/resource/cma2023_L18_adv.pdf (consultado em 28 de maio de 2024)
16 https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n20/207/39/pdf/n2020739.pdf . (Consultado em 28 de maio de 2024)
17 https://static1.squarespace.com/static/62fbf293c4912c5514ac3b2a/t/65789ec6b4318b54f27afa6e/1702403782880/Emirates+Declaration+on+Culture+Based+Climate+Action__FINAL.pdf . (Consultado em 28 de maio de 2024)
18 https://www4.unfccc.int/sites/SubmissionsStaging/Documents/202403300618---Cultural%20Heritage%20Submission%20UAE%20to%20Belem%20WP%20GGA.pdf (Consultado em 28 de maio de 2024)
19 https://www.ipcc.ch/sr15/chapter/glossary/