nome:
Manuel Chochinha
ano nascimento:
 
freguesia:  
concelho:
Sesimbra                                     
distrito:
Setúbal
data de recolha: 2008
 
 

Inventário PCI

Perigo no Mar

Sesimbra

"Perigo no Mar" - Episódio de vida que relata a tentativa de assistir um colega de profissão durante uma tempestade. O colega em apuros acaba por se salvar, deixando para trás quem o ajudou.

Manuel Chochinha, Sesimbra, Registo 2008

Poesia popular, poesia de autor.

Transcrição

Perigo no mar

 

[…] Vi a minha vida correr perigo por várias vezes. […] Eu recordo-me duma – foi a vez que me vi mais atrapalhado – que eu governava o outro barco, que era o barco de madeira, que o meu pai tinha… [O barco chamava-se] Manuel Chochinha, tal como este. E então [e]stava a pescar mais outro barco em Marrocos e, um bocadinho longe, estava outro barco do Algarve também a pescar. Mas, quer dizer, um bocadinho afastado da gente, não era assim muito longe. […] Começou a vento a soprar de sul forte, muito forte, muito forte, cada vez mais… […] O meu colega disse para mim:

- É pá, Manel, a gente vai ficar aqui… A gente vai ficar aqui um dia, pá, de noite, se cai mais, como é que é, pá? A gente aguenta-se?

E eu assim:

- É pá, não sei, olha… Queres ir para a terra? A minha pesca está quase feita, vamos para a terra.

Começámos a navegar para Sesimbra. De Marrocos para Sesimbra, onde a gente estava, ainda levávamos aqui pelo menos dois dias e pouco. Debaixo de mar e vento, também é muito. Dois dias, duas noites, é claro. […] Começámos a navegar. Nisto, o colega do Algarve, chamou por mim.

- Ó Manel Chochinha, está a ouvir?

E eu:

- Estou, estou. Comunique lá.

E ele diz-me:

- É pá, tenho o barco avariado, pá. Eu também venho a navegar para a terra, venho aqui já por… por terra de vocês… É pá, pelo menos metem-me aqui no porto mais perto.

O porto mais perto era Safi, em Marrocos. E eu nunca lá tinha entrado em Safi. Só que o meu colega já lá tinha entrado uma vez, ele e o contramestre dele – que são dois rapazes que ainda governam hoje – já lá tinham entrado. E eu vou, vou. Vou e falei lá com o outro meu colega:

- É pá, olha que está aí o mestre Zé Manel, do Luz do Amor. Está empanado e a gente tem que levar o homem, […] tem que levar o barco… […] Temos que levar o barco para Safi, pá, que está este temporal, o homem não vai ficar aí, nem pensar, né?

- Bem, vamos lá…

Fomos lá. Quando cheguei, digo eu:

- Como é que é?

Diz ele assim:

- Ó pá, agarramos os dois no barco.

Digo eu assim:

- Não, não, não… Os dois agarrados no barco, com este tempo, pode dar um desvio qualquer e bater um contra o outro e a gente estraga tudo. Eu pego e tu vais-me acompanhar aí pela proa.

E assim foi. Peguei no barco… Mas o mar cada vez era mais, e o vento. Já não nos entendíamos. E mais com um barco daqueles a reboque, o barco ainda era um bocadinho maior que o nosso. E vamos, vamos, vamos… Entretanto, diz-me ele assim para mim:

- É pá, Manel, olha: eu vou já andando para Safi, vou ver como é que está a entrada da doca. Porque a noite está-se a meter… […] Que é para te dar mais ou menos a como é que a doca está.

- Então está bem, pá, vai lá.

Vai lá, ele desandou, desandou, desandou e eu sempre com o barco a reboques. O que é certo é que esse meu colega fintou-me e bem. Entrou já com dificuldade, chegou, atracou o barco ao cais e zarpou por terra dentro, ele e a companha. Nem ai, nem ui. Eu fartava-me de chamar por ele, nada de responder; nada de responder. Quando foi à entrada da doca, já de noite e bem noite, então é que foram elas. Eu queria encurtar o cabo para os barcos virem mais juntos um do outro, mas em contrapartida não podia, porque depois podia dar o mar pela popa e atirar o barco para cima do meu. E então, não encurtei nada a corda.

- Vamos embora, vai assim que vai bem. Olha, haja Deus.

E vamos. Vamos, vamos, vamos… e entrámos felizmente, deu um mar ou dois, mas entrámos bem. Entrámos bem. Chegámos cá dentro, não estava lá ninguém a bordo do barco. Tudo fechado e não estava lá ninguém, tinham vindo para terra. Bem, aquilo no outro dia foi… Aquilo no outro dia foi um pandemónio. Eles os dois iam-se pegando, lá o outro homem com ele. Eu chamei-lhe uns poucos de nomes e… Mas ele não devia ter feito aquilo. Depois pediu desculpa e tal… Não devia ter feito aquilo. Mas foi a vez que eu me vi mais aflito. Eu estava a ver que não chegava a bom porto. Mas felizmente…

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Perigo no Mar
Manuel Chochinha
Actividade piscatória

Contexto de produção

Comunidade piscatória

Contexto territorial

Porto de pesca de Sesimbra
Santiago
Sesimbra
Lisboa
Portugal

Contexto temporal

2008

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Actividades promovidas pelo Município de Sesimbra, Biblioteca Municipal e Museu Municipal.

Comunidade piscatória  da Sesimbra.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL