nome:
Angelina Fernandes
ano nascimento:
 
freguesia: Castro Laboreiro
concelho:
Melgaço                             
distrito:
Viana do Castelo
data de recolha: 2022
 
 
 

Inventário PCI

Medos e Acompanhamentos

Relato sobre Medos e Acompanhamentos numa aventura a pé de Pontes até Fiães.

Caso real que expressa crenças (almas em forma de luzes; procissões noturnas de almas; “medos”)

Transcrição

Eu lembro-me de Medos. Medos. Uma vez na minha casa, na minha casa velha, a contar este Medo.

Estava eu, mais duas raparigas. (...) Uma vez era a minha mãe e uma tia que já era velha. A minha mãe era nova e aquela minha tia já era velha. Como não havia hora, não conheciam a hora, eram analfabetas, elas dirigiam-se pelo galo. O galo cantava, que estava ali abaixo delas, na corte. Chamávamos-lhe a corte ao piso de baixo. E estavam ali os animais todos: estavam as pitas, estavam vacas, se calhar estavam as rés também. Aquilo era uma sociedade! [Risos]

Então elas saiam à primeira cantada do galo. A primeira cantada do galo, naquela altura, eram as 4 da manhã. Elas iam a pé a Melgaço, não havia carro naquela altura (...) iam pelos atalhos a pé. E, claro, tinham que ir pagar as contribuições das casas. Então elas juntavam-se as duas e lá iam. 

Lá iam e chegaram ali ao (...?), não sei se você sabe, um lugarzinho. Nós vivíamos em Pontes, sabe, em Pontes? Não sabe, fica raiano com a Espanha. Ameijoeira fica mesmo ali raianinho, e nós ficamos do lado de cá do rio. (...) É a 8 quilómetros longe daqui. 

Quer-se dizer que elas vinham a andar e vinham num atalho, vinham lá por um carreiro, e chegaram assim a um alto - eram altas, depois era a descer - e depois ali havia um lugar. (...) Elas chegaram ao lugar e viram muitas luzinhas, muitas luzinhas, morrera uma menina ou uma senhora naquela noite. (...) 

Antigamente andavam muito acompanhamento de noite. Eu tenho muitas coisas disso para contar. E andava o acompanhamento de noite, chamávamos-lhe nós o acompanhamento. 

Então dizem elas assim uma para a outra:

– Olhe, escusamos de ter medo, porque acolá já vai muita gente, já vão acolá muitas luzinhas.

E elas desceram, desceram um carreiro assim para baixo. Aquilo não era um caminho, era um carreirinho. Desceram o carreiro para baixo, para entrar num caminho, no caminho público. Entraram no caminho público e viram ir diante delas uma multidão de gente e aquelas luzinhas. Elas ficaram-se para trás e disseram-se assim uma para a outra:

– Olha, deixe ir essa gente adiante, nós ficamos atrás. Nós não queremos ir com essa gente. 

Elas iam de trás. Mas chegavam a certos sítios que os enterros paravam, que há assim alminhas. Na antiguidade morriam pessoas e depois punham umas alminhas ali. Então, chegaram aquelas alminhas e aquela multidão parou. E elas pararam também.

[Disse:]

– Não mexa, deixe-se estar.

Dizia-lhe minha mãe para a minha tia:

– Deixei-se estar. Não siga, que isso já não é boa coisa.

Elas pararam até que eles seguiram. 

Foram atrás disso até, chamamos-lhe, o Carvalhal, que é aqui abaixo. Esta estrada que vai tocar ao Ribeiro, não sei se sabem. (...) Ali ao fim da estrada há os hotéis, depois há uma estrada que vira para baixo. Pois foi naquela estrada. Aquela estrada era caminho, agora é estrada, mas era um caminho de vacas. 

E chegaram ali e abrem assim umas barreiras ao lado de cima, umas barreiras brancas, assim areia branca. E estavam ali 12 cãezinhos coelheiros sentados a olhar para elas. E elas tinham sentido por aquelas carvalheiras abaixo, porque ao lado era tudo carvalheiras, elas sentiram um barulho muito grande, muito grande por ali abaixo.

E vira-se uma para a outra:

– Isso não é nada. Deixa lá, que isso não é nada. Isso é o lobo que vai atrás de alguma coisa por aí abaixo. Deve ser o lobo que faz essas zurradas. Deixa lá, isso não é nada.

E depois chegaram para cima, viram aqueles 12 cãezinhos. A minha mãe viu-os, mas ela [a tia] não os viu.

E diz-lhe a minha mãe:

– Olhe aqueles cãezinhos eram os que iam atrás do lobo por aí abaixo! Eram os que iam atrás do lobo, que faziam a zurrada pelas carvalheiras abaixo, eram esses cãezinhos. Olhe os cãezinhos aqui, olhe.

Não os viu. Passaram e os cãezinhos ficaram ali como estavam e elas passaram. Mas elas vinham com muito medo, agarraram muito medo. 

Depois seguiram, chegaram aqui à vila e seguiram. Agarraram um atalho pelo monte, iam pelo monte. Foi amanhecer lá, chamam-lhe, o Outeiro da Loba, numa descida que há de cara a Fiães, não sei se sabem Fiães. Não sabem lá o Convento de Fiães? Elas então desciam de cara ao Convento, que era onde tinha um caminho para ir para Melgaço, iam por ali. 

Depois amanheceu. Chegaram ali e já lhe foi dia. Foram a Melgaço, governaram o que tinham a governar, vieram embora. Chegaram de noite a casa. 

Depois iam ali ao lugar, perto do lugar iam a descer uma descida e a minha mãe agarrou medo ali. E a minha mãe viu um homem na estrada, ao lado de cima nos barbeitinhos pequenos. Estava ali. Chamavam-lhe ali a Cordinha. 

E depois minha mãe diz-lhe assim a ela [à tia]:

– Olhe, vamos andar ligeiras, que eu estou-me a arrepiar, estou a ter medo. E diz-lhe ela [a tia] assim:

– Não tenhas medo, agora já estamos perto do lugar.

– Não, não. Vamos embora. Vamos depressa, vamos depressa! Olhe, está ali uma pessoa ali em cima. Olhe, você olhe para ali.

Mas ela não a viu. A minha mãe viu-a, mas ela não a viu.

– Vamos embora depressa, vamos depressa.

Depois apertaram o passo até ao lugar. E depois diz-lhe assim minha mãe:

– Ai minha tia, que nós não devemos ir fazer esta aventurança. Foi uma aventurança muito grande, nós demorámos muito tempo.

Mas, claro, elas tinham que ir cedo, porque [se não] tinham que vir de noite, o dia não lhe dava porque era muito longe. São 25 quilómetros. É verdade que elas iam ao atalho, mas não chegavam de dia. Portanto, elas foram cedo para chegar de dia, mas não chegaram de dia, chegaram de noite. Entraram e saíram de estrela a estrela. 

Foi um golpe muito forte para elas, muito forte. Apanharam tanto medo, tanto medo, que elas apanharam medo para a vida delas. Disseram que não volviam a ir só duas pessoas aquela hora. A cantada do galo que as enganara.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Angelina Fernandes

Contexto de produção

Contexto territorial

Castro Laboreiro
Castro Laboreiro
Melgaço
Viana do castelo

Contexto temporal

2022

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão
Idioma

Equipa

Transcrição
Laura del Rio, Paulo Correia
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa, José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL