nome: |
Tia Cavalheira |
ano nascimento: |
1926 |
freguesia: | Póvoa de Varzim |
concelho: |
Póvoa de Varzim |
distrito: |
Porto |
data de recolha: | 2007 |
Póvoa de Varzim "O Naufrágio" - Relato de um naufrágio Ti Cavalheira, ano de nascimento 1926, Póvoa de Varzim, Registo 2007 O meu pai tinha dois barcos, depois vendeu um para o filme “Ala Arriba” e ficou com um. Depois, quando aconteceu-nos o naufrágio (neste mês, em Fevereiro) …ahhh….virámos. Já contávamos de morrer todos. Eu tinha um filho de um primo meu a bordo, tinha eu 16 anos quando aconteceu isso. E paguei eu, sequinho como estava, diz esse meu primo: “…se vamos atirar-nos à iágua e vamos a nadar para a terra?”. Ora, agente até estava aqui [perto] da Póvoa, mas não aguentamos os dois a vir à terra. E eu nu, como a minha mãe botou-me no mundo, atirei-me à iágua, à espera que ele que se atirasse e ele não se atirou, ficou dentro do barco. Eu toca a nadar, toca a nadar, toca a nadar, mas não chegava à terra. As vagas do mar eram muitas e, ópois, o vento. Ouço aqueles gritos e olho, vejo aquele barquinho à vela - matava-me, matava-me, mas o barco era baixo e eu estiquei assim os braços e aguentei-me à proa do barco. Ora, travei o barco. O mestre era o Tio António Morte Fiúsa: “Arreia o pano! Arreia o pano!” Arreiáram-me o pano. Havia um Amadeu Cinco, um rapaz novo (também morreu afogadinho num naufrágio em Matosinhos) [que diz]: “Homem na iágua! Atento, homem na iágua!” Vai e botou-me dentro, o barco era muito rasteirinho, era comprido, mas era rasteirinho. Botou-me dentro. Eu conheci o mestre que tinha trabalhado comigo em Matosinhos: “Ó Tio António estão os homens todos na iágua”. Ora, eram quatro que estavam na iágua, amarrados ao barco. Quando viemos, voltaram a proa assim do barco, eles saltaram todos, até o barco voltou, papelinho debaixo de ondas, a iágua entrou. Ele vai amarrar e tal …, aguenta o remo, então remou. O Tio António Morte chamou o meu pai: “Tomás! Vamos voltar logo aqui em lagoa, e lagoa?” Diz ele assim [o pai]: “Bota até onde quiseres.” Chega à lagoa, o mar era um bocadito [esperto], diz ele assim: “Ó Tomás, se vocês aguentassem todos, íamos pá Póvoa”. [Pai]: “Anda!” O meu pai vira-se para mim, eu era o que vinha todo nu e disse: “Ó pai..” [Pai] : “Aguenta-te!”. [Eu] vinha ao remo, ora, o corpo aquecia todo. Passa aquele barco à vela por nós [um outro barco, o do João Patesca] [Tio António Morte]: “Tenho home! Tenho home!” O Tio António não sabia quem era o João Patesca, [e diz]: “Olha que se virou o Ti Tomás Cavalheira, vê se me podes levar dois ou três homens aí.” O gajo arranca, iam s’embora, iam s’embora. Nós às vezes parávamos para ir botar a iágua, porque o mar entrava. Quando chegámos aqui à Póvoa, eles…, se João Patesca se cala, não havia coisa. João Patesca diz: “Quem se virou foi o Ti Tomás Cavalheira e tal”. A minha família que estava na praia a essa hora, seis horas, ora, começaram aos gritos, quando viram um barco prá terra vieram direitos ao barco. Ora eu estava em nu, já com dezasseis anos ou dezassete, desarmei o meu remo e atirei-me à iágua, assim pra deviar-me [porque estava nu e não queria que o vissem, nadou para terra, passou por toda a gente a correr e só parou em casa]. Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim. Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim
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