nome:
Francisco Galamba
ano nascimento:
1922
freguesia: Vila Verde de Ficalho
concelho:
Serpa                                          
distrito:
Beja
data de recolha: 2006
 
 

Inventário PCI

Três histórias

Serpa

“Três histórias” - " A mãe ou a burra"  - Perante a necessidade alimentar, uma família os seus membros têm que tomar uma decisão que origina uma troca jocosa de palavras; "O jantar de família" - Uma família do Alentejo recebe o namorado da filha para jantar e a sua de linguagem pouco cuidada origina um uma situação cómica e embaraçosa decorrente de um trocadilho de palavras; "Questões de namoro" - Trocadilho com palavras derivado do sotaque alentejano.

 

Francisco Galamba; Vila Verde de Ficalho; Ano de nascimento: 1922; Concelho de Serpa.

Registo 2006.

Anedotas.

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.

Transcrição

A mãe ou a burra?

Era um pai que tinha sete filhos. Seis filhos e uma filha. Um tinha dois anos, outro tinha quatro, outro tinha seis, outro tinha oito, outro tinha dez e outro tinha doze. E a filha tinha treze anos – era a mais velha.

E um dia, quando acabaram de comer, disse o pai assim (tinham uma burrinha, uma bestinha pra lavrar que era muito asseadinha e aquilo era já ali nos princípios de Maio):

– Bom, eu tenho um problema aí pa’ resolver – porque ele na’ se explicava muito bem, na’ era muito bem entendido. – Tenho um problema a resolver e quero que vocês saibam: eu agora já só tenho mais uma amassadura(1) ou duas. ‘Tá-se acabando a amassadura e eu tenho que vender ou a burra ou a mãe. Tenho que vender ou a burra ou a mãe!

E respondeu logo aquele mais velhinho que tinha doze anos:

– Venda a mãe!

Pai – Atão(2)? Agora vendo a mãe? Fico com a burra?! Atão?!

Filho – Sim, senhora! Venda a mãe: na mãe é só você que se amonta e na burra montamos todos!

 

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.

 

Glossário:

 

(1) Amassadura: «a quantidade de massa para fazer uma fornada de pães.» http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=Amassadura

(2) Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”. http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=26437.

Para execução deste glossário consultaram-se o website: http://www.priberam.pt e http://www.ciberduvidas.com .

 

 

Jantar de família

 

«Bom, aquilo foi passando. E depois, passado mais um ano ou dois, já a rapariga tinha quinze anos, arranjou pràli a namorar um rapaz qualquer. E atão(1) a rapariga com o namorado lá combinaram e ele ficou de a *ir pedir*(2) a um Domingo. Viviam num monte(3) e atão o rapaz ia pedi-la e jantava lá. E a mãe, como eles falavam mal, disse:

– Vocês, à noite, quando ‘tejam comendo, acautelem-se com a língua, porque vem cá o namorado da mana(4). Vem cá pedi-la e atão a ver se s’aquietam. – Bom, lá todos bem avisadinhos.

Ela, à noite, quando chegou a hora pôs a mesa. Foram comer e o namorado da irmã também. Naquele tempo não era cá cada um em seu prato, era tudo no mesmo prato, *migavam sopas(5)*, vazavam e dali é que comia tudo. Um daqueles filhos mais velhinhos, depois de meter a colher travou além no braço do irmão mais novinho e deixou cair a sopa. Disse ele assim:

 

– Merda!(6) Já me deixaste cair a sopa!

Respondeu o pai além do outro lado:

– É verdade, agora por falar em merda… Quem é que limpou o cu(7) ao meu tio?

Disse a mãe assim:

– Eu na’ fui! Que eu nunca caguei ontem à noite!»

 

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.

Glossário:

 

(1)    Atão – regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.

(2)    Ir pedir (a rapariga) – ir pedir ao pai da rapariga autorização para a namorar ou com ela casar.

(3)    Monte – regionalismo do Alentejo. Sede de herdade formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação por vezes atribuída à própria herdade.

(4)    Mana – Irmã.

(5)    Migavam sopas – deitar o pão desfeito em migalhas em (sopa).

(6)    Merda! – no caso, é uma exclamação que exprime descontentamento e irritação; palavra grosseira.

(7)    Cu: ânus; palavra grosseira.

Para execução deste glossário consultaram-se os websites: http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt;, http://www.ciberduvidas.com e http://www.ciberduvidas.sapo.pt .

 

 

Questões de namoro

 

 

Aquilo passou. Depois, passados um dia ou dois, o rapaz mais velhinho andava com as cabras (a irmã já namorava) e andava pràli lavrando(1)  um moço novo (mas mais velho que ele e tal).

Moço – Atão(2)?

Irmão – Atão?

Moço – Atão? *N’á(3) meio de arranjares* uma namorada? Tem além(4) o teu vizinho uma rapariga tão jeitosa e tu não…

Irmão – Oh! Mas eu às vezes digo-lhe bom dia!

Moço – Ó homem, atão… Pede-a(5) homem!

Irmão – Eu cá ca minha e ela lá ca dela! Tenho vergonha, na’ lhe digo nada!

Moço – Atão e, escuta lá, atão e houve baile?

Irmão – Quem é co tocou? – disse o irmão da tal rapariga.

– Quem é co tocou?

Moço – Atão? E a tua irmã? Foi ao baile?

Irmão – Ela diz qu’ ia. Ela diz qu’ ia.

Moço – Atão e ela na’ lhe dá vergonha?

– Atão, ouvi dizer que ela namorava com fulano.

 

Irmão – Atão é verdade!

Moço – Atão é o q’agarra!

Namorava era o q’ agarra! E acabou-se aqui. Falavam bem!»

 

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.

Glossário:

(1)    Lavrando: trabalhando a terra com arado e charrua de modo a poder cultivá-la.

(2)    Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.

(3)    N’á meio de arranjares: nunca mais arranjas; não há maneira de.

(4)    Além: expressão que designa distância, acolá.

(5)    Pede-a (pedir a rapariga): pede a rapariga em namoro e autorização para tal ao seu pai.

Para execução deste glossário consultaram-se os websites: http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt;, http://www.ciberduvidas.com.

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Três histórias
1922
Francisco Galamba

Contexto de produção

Contexto territorial

Vila Verde de Ficalho
Vila Verde de Ficalho
Serpa
Beja
Portugal

Contexto temporal

2006
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Serpa e de escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Serpa e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Em 2010/2011 o Agrupamento de Escolas de Serpa como o projecto "Contos d'Aqui" entrevistou e levou à escola a Susete Vargas de Vale do Poço e a Francisca Calvilho de Vila Verde de Ficalho, mais duas contadoras de histórias do concelho de Serpa (ver o blog em "Documentação")

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Cristina Taquelim
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL