nome:
Francisco Galamba
ano nascimento:
1922
freguesia: Vila Verde de Ficalho
concelho:
Serpa                                          
distrito:
Beja
data de recolha: 2006
 
 

Inventário PCI

Ofício para o filho

Serpa

“Ofício para o filho”- Chegada à altura de aprender um ofício, um moço escolhe a malandrice para profissão…

Francisco Galamba; Vila Verde de Ficalho; Ano de nascimento: 1922; Concelho de Serpa.

Registo 2006.

Conto jocoso. Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1525 E  Os Ladrões Roubam-se uns aos Outros [variante].

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007

Transcrição

Um ofício(1) para o filho

 

 

Era um pai e um filho. Só tinha aquele filho único e depois levou-o à escola. E o rapaz era inteligente e fez a quarta classe (que era o que faziam antigamente). ‘Tavam jantando e quando acabaram, disse-lhe o pai:

– Ó filho, agora, já fizeste a quarta classe, já sabes ler bem… Escolhes aí um emprego que queiras aprender. Na’ quero que vás trabalhar no campo, como eu ando trabalhando. O marido da tua madrinha, é pedreiro(2), o outro meu compadre(3) é carpinteiro(4)…

E outros assim, como ele tinha na família – tinha pedreiros, tinha carpinteiros, tinha aguadores(5), tinha ferreiros(6), tinha de tudo.

Pai – Escolhe um ofício desses, filho. Tu passas a ser um mestre(7)! Diz lá. Escolhe o que é que queres ser.

Filho – O que eu quero ser… É malandro(8)!

Pai: – Queres, quem?!

 

Filho – Não há cá mais ofício nenhum que é malandro.

 

Pai – Essa agora!

 

Filho – Ah sim, eu já lhe digo. Não quero mais ofício nenhum. Quero aprender é a malandro.

 

Pai – ‘Tá bem, deixa…

Há sempre em todos os povos(9) um que é mais malandro que os outros e que é conhecido por toda a gente(10) na terra.

 

Pai – Me’mo agora vou daqui e vou falar com fulano(11). – Que era o mais malandro do povo.

Foi falar com ele e disse-lhe o outro aqui assim:

– Então, olhe, diga ao seu rapaz que amanhã que me espere além, a tal parte. – Que era à ponta do povo. – Espere-me além, ao nascer do sol, que eu estou além.

Pai – ‘Tá bem.

 

O pai veio de lá para casa e disse ao rapaz:

– Olha! Amanhã às tantas estás além, em tal parte, ao nascer do sol, que está além fulano que vai-te ensinar a ser malandro.

Filho – ‘Tá bem.

O rapaz abalou. Quando chegou lá, já estava lá o mestre. E disse-lhe o mestre:

– Bom, vamos lá aqui por este caminho adiante.

 

Foram pelo caminho adiante. Chegaram lá adiante haviam umas figueiras carregadas de figos maduros, petrocipe(12), carregadinhas de figo. Disse-lhe o mestre aqui assim:

– Olha lá! Vamos lá a deitar aqui debaixo da figueira. Assim: de *papo para cima*(13).

Deitaram-se os dois.

Mestre – A ver se cai algum figo na boca da gente pra eu comer. – Que era para não o colher: para não ter o trabalho de o colher com mão.

Deitaram-se os dois debaixo da figueira, assim, de papo para cima. Caiu um figo na boca do rapaz. Disse o rapaz:

– Ó mestre! Ajude-me lá aqui a dar aos dentes!

E o outro disse:

– Vai-te embora para casa! Que tu sabes mais do que eu! Ainda és mais malandro do que eu!

 

Francisco Galamba; 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.

 

Glossário:

(1)    Ofício: profissão manual; arte manual ou mecânica.

(2)    Pedreiro: profissional especializado em serviços de construção de pedra, areia, cal, tijolo, etc. e revestimento de paredes.

(3)    Compadre: pode ser, no caso, um amigo íntimo, o padrinho (em relação ao pai, à mãe e à madrinha de um recém-nascido), assim como o pai do afilhado em relação aos padrinhos.

(4)    Carpinteiro: profissional que trabalha a madeira e que constrói, repara e arma estruturas e equipamentos em madeira.

(5)    Aguadores: profissional que rega.

(6)    Ferreiro: profissional que trabalha o ferro.

(7)    Mestre: profissional que exerce um ofício por sua conta, que é perito no seu ramo profissional e/ou que é o encarregado ou chefe de uma oficina.

(8)    Malandro: aquele que não gosta de trabalhar e que procura viver do trabalho alheio.

(9)    Povos: pequenas povoações, aldeias, lugarejos.

(10)  A gente: subentende-se o sujeito “nós”

(11)  Fulano: no caso, determinado sujeito, individuo.

(12)  Petrocípe: tipo de figueira.

(13)  Papo para cima: deitado de costas; de barriga para cima a mandriar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Caraterização
Documentação
Origem / história
Bibliografia

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Ofício para o filho
1922
Francisco Galamba

Contexto de produção

Comunidade ou grupo
Fundação do grupo ou comunidade
Detentor de direitos
Descrição de direitos
Medidas de salvaguarda
Riscos identificados

Contexto territorial

Vila Verde de Ficalho
Vila Verde de Ficalho
Serpa
Beja
Portugal

Contexto temporal

2006
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Serpa e de escolas

Património associado

Património Cultural Imaterial
Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.
Património Material
Património natural

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Serpa e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Em 2010/2011 o Agrupamento de Escolas de Serpa como o projecto "Contos d'Aqui" entrevistou e levou à escola a Susete Vargas de Vale do Poço e a Francisca Calvilho de Vila Verde de Ficalho, mais duas contadoras de histórias do concelho de Serpa (ver o blog em "Documentação")

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Cristina Taquelim
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL