nome: |
Ilda Martins Branco |
ano nascimento: |
1939 |
freguesia: | Salvada |
concelho: |
Beja |
distrito: |
Beja |
data de recolha: | Outubro 2010 |
Beja “As encruzilhadas”- Dois homens zangam-se por cauda de umas partilhas, voltam a encontrar-se numa encruzilhada, numa sexta-feira à noite… Ilda Martins Branco; Salvada; Ano de nascimento: 1939; Concelho de Beja. Registo 2010. Lendas: Lendas do Sobrenatural: Lobisomens Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011 Fonte da classificação: base de dados online www.lendarium.org Ver aqui APL 2063, também da zona de Beja Encruzilhadas «Na'(1) acredito em bruxas. Não tenho medo delas. Na' penso nelas. É como o medo: o medo há pequinino(2), há grande, há maior. O medo é conforme nós o fazemos. Mas houve uma coisa quando eu era solteira, lá na minha aldeia, houve uma garreia(3) entre dois homens numa venda(4). E um disse prò(5) outro: - Deixa estar que ainda te hei-de de encontrar! Ainda te hei-de encontrar numa encruzilhada(6), duma estrada. (...) - Por causa de uma partilha(7). (...) E o outro ficou c' aquilo(8) na cabeça. - *'Pera lá*(9)! Eu trabalhando no monte(10), eu passo a esta encruzilhada. E eu, quando passo lá, já é de noite, e o bicho vai-me lá esperar... E ele vai-me lá dar uma boa sova. (...) Mas *po' sim, po' não*(11), lá no monte onde estava, uma noite, pensou assim: - 'Pera lá... Eu vou arranjar aqui... (...) um porróte(12). Por o sim, por o não(11), eu vou levar isto, porque se ele 'tiver(13) à minha espera aí na estrada, ou lá onde ele disse, falou numa encruzilhada, pode me 'tar à espera de lá, de mim. Bem, aquilo passou uma noite ou duas e na' aparecia ninguém. Na' chegava o dia, porque ele tinha que ter um dia escolhido. Muito bem que vinha, numa sexta-feira, andando, vê um vulto (...). Da encruzilhada. Um vulto. Diz ele assim: - Ah! Malandro! (...) É ele que está aí... É ele que está ali! (...) Ma'(14)... Eu agora vou e na' faço mai'(15) nada... (...) Dou-*le*(16) uma porrada! Que o enrolo logo! - Pensou aquilo! (...) Mas quando ia a chegar ao pé do vulto, levou um coice(17)! (...) No peito. (...) Derrubou-o logo! (...) Ele endireitou-se e agarra a moca e dá-le em dar porradas. - Mas viu que não era uma pessoa! (...) Viu que era um animal! Que estava ali! - Assim que se pôde safar... Ele, o outro, ficou deitado com as mocadas(18) que apanhou. E ele foi pra(19) casa. Ele, no outro dia, foi pro(5) trabalho. À noite, na venda... - Ah! O Fernando nunca foi trabalhar... - O que é que aconteceria? - Nunca foi, nunca apareceu lá ao trabalho. (...) Na' disse nada, mas pensou assim: - 'Pera lá! O meu cunhado, faltar ao trabalho?! Alguma coisa se passou. Foi pra casa. Chegou a casa, disse assim: - Escuta lá! Atão(20)? O marido da tu' mana, nunca foi trabalhar, atão? 'Tá doente? - Ah! Parece que caiu, ficou mali(21), e a minha irmã teve que perder o dia, pra ir com ele ao hospital! Diz ele assim: - Caiu e ficou mal! Atão, teu irmão disse-me isto *assim, assim*(22); fez-se em burro, em tal parte... Olhe, conforme era as mocadas, assim eram os vergões(23) que ele tinha. Ilda Martins, Beja, Outubro de 2010 Glossário: (1) Na' – não (houve supressão da acentuação e do o para reproduzir pronuncia popular, uso coloquial). (2) Piquenino – pequenino. (3) Garreia – discussão, briga. (4) Venda – taberna, mercearia da aldeia ou estabelecimento modesto onde se vendem refeições mais baratas. (5) Prò/Pro – para o (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o; uso popular e coloquial). (6) Encruzilhada – lugar onde vários caminhos se cruzam (dois ou mais). (7) Partilhas – determinação do que cabe a cada pessoa numa divisão de bens materiais (herança, lucros, património). (8) C' aquilo – com aquilo (houve supressão de om para manter a pronúncia). (9) 'Pera lá! – Espera lá! – expressão que, no caso, denota a realização de uma conjectura, de uma suposição, uma pausa para colocar as ideias em ordem ou estabelecer um plano. Houve supressão do es para manter a pronúncia, uso coloquial. (10) Monte – regionalismo do Alentejo - «Cada herdade, com raríssimas excepções, contém uma casa ou edifício denominado monte - talvez por ser construído sempre no alto duma colina ou ondulação do terreno, - no qual, além da parte destinada à habitação do proprietário e do seu feitor, ou guardas, existem os celeiros, as arrecadações da ucharia ou dos aparelhos agrícolas, as cavalariças, o forno, a abegoaria, etc. Em algumas herdades há, ainda, outras casas, alugadas aos jornaleiros ou criados da lavoura, designados então por caseiros, - termo de sentido bem diverso do que lhe compete ao norte do Tejo, onde significa feitor.» (Gonçalves:1921:128-129). (11) Po' sim, po' não / Por o sim, por o não - pelo sim, pelo não (para prevenir, para acautelar). (12) Porróte – bordão, cacete com ponta arredondada. (13) 'Tiver – estiver (pronúncia popular do verbo "estar" conjugado, uso coloquial). (14) Ma' – mas (supressão do s para reprodução de pronúncia, uso coloquial). (15) Mai' – mais (houve supressão do s para reproduzir a pronúncia, uso coloquial). (16) -Le – lhe (pronome, registo popular e modo informal). (17) Coice – pancada dada com as patas traseiras por um animal (que assenta as quatro patas no chão). (18) Pra – para (redução da preposição "para", sua forma sincopada,usadano registo popular, informal). (19) Mocadas – pancadas. (20) Atão – então, regionalismo de Portugal, de uso coloquial. (21) Mali – mal (houve acrescento do i para manter a pronúncia popular). (22) Assim, assim (disse-me isto) – isto e aquilo; desta e daquela maneira; (23) Vergões – lesões na pele deixadas por uma pancada. Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário: Barros, Vítor Fernandes & Guerreiro, Lourivaldo Martins. (2005). Dicionário de Falares doAlentejo. Porto: Campo das Letras p.100. Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.254. Fradinho, Manuel Gomes. (1933). Maneiras de dizer alentejanas. Revista Lusitana, Volume XXXI, Lisboa: Livraria Clássica Editora, p. 111. Gonçalves, Luís da Cunha. (1921). A vida Rural do Alentejo. Breve estudo léxico-etnográfico. II - O regime da propriedade rural. A terra e a habitação. O lar e a alimentação. Sistema usual de explorar a terra. Os salariados e os salários. Horário do trabalho rural (pp.128-136). Academia das Sciencias de Lisboa. (1926). Boletim da Classe de Letras (Antigo Boletim da Segunda Classe). Actas e Pareceres Estudos, Documentos e Notícias. Volume XV. 1920-1921. Coimbra: Imprensa da Universidade (p.128-129). Nunes, José Joaquim. (1902). Dialectos algarvios. Revista Lusitana, Volume 7, Lisboa: Antiga Casa Bertrand, p.125. Pombinho Júnior, J. A. (1935). Vocabulário alentejano — (Subsídios para o léxico português) — (continuado do vol. XXVI, pág. 83). Revista Lusitana, Volume XXXIII, Lisboa: Livraria Clássica Editora, p. 168. Ribeiro, José Diogo. (1930). Linguagem popular de Turquel. Revista Lusitana. Volume XXVIII. Lisboa: Livraria Clássica Editora. P.230. http://aulete.uol.com.br;http://michaelis.uol.com.br; http://www.ciberduvidas.com; http://www.infopedia.pt;http://www.priberam.pt Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.
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