nome: |
Maria Augusta Martins Falcão |
ano nascimento: |
1935 |
freguesia: | Caçarelhos |
concelho: |
Vimioso |
distrito: |
Bragança |
data de recolha: | Outubro 2010 |
- Barnabé o Mixordeiro
- Comer cobra
- Dia 14 de Outubro
- Memórias de teatro popular
- Mulher malfadada
- Tragédia da mulher
Vimioso "Barnabé o Mixordeiro" - Testemunho de um comerciante desonesto que vai parar ao Inferno. Maria Falcão, ano de nascimento 1935, Caçarelhos. Registo 2010. Sátira Barnabé Pinto Carneiro/Barnabé, o mixordeiro Carta do Reino do Céu(?), 3 de Agosto do Ano de Nosso Senhor, é daqui que te escrevo prezado e amigo leitor: Vou contar-te a minha história, preste-me toda a atenção, tudo quanto cá se passa vou fazer-te a narração. Dizem os sábio da Terra que vida eterna não há. Veremos a cara que eles fazem quando eles venham pra(1) cá! Noutros tempo também eu a mesma coisa dizia. E com estes bichões a mesma perna fazia. Daqui vos aviso agora, para que a mocidade fique sabendo que existe, além da campa, a eternidade! Eu na Terra fui chamado Barnabé Pinto Carneiro, onde exercia as refeições. Afamado mixordeiro(2). Era o rei dos mixordeiros, muita mixórdia fazia e com rara habilidade enganava a freguesia(3). Deitava telha miúda no colorau, pra mais pesar. Mijava no bacalhau, pra o não deixar secar. Com caganetas(4) de cabra e de burro igualmente eu fazia bom café, pra vender a toda a gente. Da abóbora(?) fazia mel que vendia por bom preço. E o pão que lá cozia que era quase todo gesso. Mas um dia veio a Morte, Prà(5) vida me tirar. Não lhe pude resistir e o remédio foi marchar. Sozinho, mas sano(?), sessenta anos vivi. No logre do casamento por sorte nunca caí. Porque isto [de] ser casado, digo-vos aqui em segredo, é bem pior que uma penhora, mais vale ir para o degredo(6)! Basta a sogra, com mil raios, pra nos dar cabo da pinha(7). *São piores que a sarna*(8) e a mais (…). Um dia veio a Morte prà vida me tirar. Não lhe pude resistir o remédio foi marchar! Depois de eu morrer, ó que grande punição! Atiraram com o meu corpo pra dentro de um caixão. Depois foi prò cemitério aonde por muitas foi chorado. E numa profunda campa ali fiquei de sepultado. Até às onze badaladas tudo esteve sossegado, mas às doze badaladas o cenário foi mudado! Senti nas campas vizinhas um ranger das fechaduras. Olhei, porém nada vi, estava tudo às escuras. Encarei com o Diabo, com os olhos faiscantes(?). Trazia cabelos pontudos(?) e os lábios… verdiscantes(?) Até ele que me perguntou, tinha que o acompanhar. - E quem autorizou vir-me aqui incomodar? - Sou um emissário de Satanás que venho pra te levar. Tu pertences ao Inferno já lá te estão a esperar. - Ir contigo, prò Inferno?! Isso é bom [de] dizer! Eu vou mas era para o Céu, eternamente viver. A ti, no Céu não te querem! Porque tens sido um ladrão! Prò Céu não vão criminosos sem sofrer a punição! Monta pra cima deste bicho. se ao Céu pertences ir. Ele é listo(10), bem depressa lá te deve conduzir. Dum pulo saltei pra cima, bastante lhe agradeci(?). Mais listo que uma seda, ao Reino dos Céus subi. Mal cheguei diz São Pedro, com suas chaves na mão, barba branca e careca encostada ao portão. Então ele perguntou-me, Eu podia(?) arriscar… Eu disse-lhe que queria pra dentro do Céu entrar. - Tira você, um patife, tire dessa cabeça o chapéu! Atão você não viu ainda que eu sou o Guarda do Céu? -Ó meu bondoso São Pedrinho! Tenha de mim compaixão! Eu tomei-o por um guarda-nocturno lá da minha povoação. Mas o Diabo estava perto prà conbersa(11) observar e logo se apresentou prò Inferno o levar. Mais quatrocentas almas tinha já arrebanhado: padres, beatas e freiras caminhavam a seu lado. Vi lá ir uma freira, tão linda como os anjinhos. Já me estava a apetecer cobri-la de abraços e beijinhos! - A ti, no Céu não te querem! Porque tens sido um ladrão! Prò Céu não vão criminosos sem sofrer a punição! - Atão(12), tu já não te lembras [o] que aos fregueses fazias?! De mixórdias e de merdas que plo(13) papo lhe metias? Deitavas telha miúda no colorau, pra mais pesar! Mijavas no bacalhau, pra não deixares secar! De abóbora(?) fazias mel, que vendias por um preço! E o pão, lá cozias, era quase todo gesso. Lá, eu quando cheguei ao Inferno, tavam a jogar às cartas. Depois disse: - Venha de lá o baralho! Jogaremos la biscada(14)! é coisa que não faço desde a semana passada! Maria Augusta Martins Falcão, Caçarelhos, Vimioso, Outubro de 2010 Glossário: (1) Pra – “para” (redução da preposição “para”usadade modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia). (2) Mixordeiro – aquele que mistura coisas variadas e faz uma comida malfeita, no caso, adulterada. (3) Freguesia – conjunto de clientes habituais de uma casa comercial. (4) Caganetas – excremento miúdo de, caprinos, ovinos, ratos, etc. em forma de pequeninas bolas; caganitas. (5) Prà – “para a” - uso popular e coloquial (contracção da preposição pra com o artigo ou pronome a). (6) Degredo – afastamento, voluntário ou imposto por pena judicial, de um determinado meio, contexto ou ambiente e ida para outras terras; desterro. (7) Pinha – cabeça. (8) Ser pior que sarna – ser insuportável; pessoa impertinente, pegadiça, maçadora. (9) Adepois – “a seguir”,“depois” (uso popular e coloquial). (10) Listo – “lesto” (ágil, ligeiro). (11) Conbersa – “conversa” (trocar o “b” pelo “v” é um traço fonético comum nos dialectos do Norte do Portugal). (12) Atão - “então”, regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial. (13) Plo – “pelo” (redução de uso informal e coloquial). (14) Biscada – jogar à bisca (refere-se a diferentes jogo de cartas para duas ou quatro pessoas). Na execução deste glossário foram consultados: http://www.priberam.pt;http://aulete.uol.com.br; http://www.infopedia.pt;http://artefactosmouriscas.blogs.sapo.pt/2146.html; http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=8163;http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=26437;http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=20561 Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer. Residentes do concelho de Vimioso que são convidados para iniciativas do Município e Biblioteca de Vimioso. Principais actividades desenvolvidas e que enquadram estas manifestações culturais: Sons e Ruralidades em Vimioso ANAMNESIS - Encontro de Cinema, som e tradição oral. Feira de artes, ofício e sabores (ver links em documentação)
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